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Na obra coletiva “O Advogado do Século XXI”, o coordenador da obra, professor José Roberto de Castro Neves, em seu artigo sobre a advocacia contenciosa do século XXI, ressalta a importância de os advogados acompanharem as transformações sociais e tecnológicas, mantendo-se sempre atualizados para garantir uma sociedade livre e justa1. Aliás, o autor preceitua que: “não cumprirá a missão o advogado que, na proteção de seu cliente, se acomodar na apatia e na inércia2.
Para cumprir essa missão, o professor Castro Neves explica que cabe ao advogado trabalhar de forma interdisciplinar3, buscando o auxílio de profissionais de áreas externas ao direito para a resolução dos conflitos que lhe são submetidos.
Nesse contexto, surge a necessidade de o jurista se manter alinhado com as novidades que circundam, por exemplo, a política, a economia e o mercado financeiro. Sobre esse último setor, cabe-nos destacar os temas envolvendo os criptoativos que, nos últimos anos, vêm sendo cada vez mais objeto de discussão, seja no âmbito da economia ou do direito propriamente dito.
Isso porque, até o momento, não há regulamentação na legislação brasileira sobre a forma de tratamento desses ativos, e os mesmos não são sequer considerados moeda. Todavia, o cenário pode ser alterado. Está tramitando na Câmara dos Deputados o Projeto de Lei 4.401/21, que foi aprovado, em 26/4/22, pelo Senado Federal.
A referida proposta legislativa visa, em síntese: (i) estabelecer diretrizes a serem observadas na prestação de serviços de ativos virtuais e sua regulamentação; (ii) condicionar o funcionamento de prestadoras de serviços de ativos virtuais mediante prévia autorização da administração pública federal; (iii) definir a figura do ativo virtual; e (iv) alterar o tipo penal descrito no art. 171-A do Código Penal.
As alterações acima mencionadas estão em conformidade com os movimentos do Banco Central e da Receita Federal, que vêm buscando regulamentar a forma de tratamento dos ativos virtuais. A título de exemplo, foi editada a Instrução Normativa 1888/194, pela Receita Federal, impondo aos contribuintes a necessidade de serem declarados investimentos em criptomoedas. No ano de 2022, apenas as compras acima de R$ 5.000,00 em moedas virtuais deveriam ser declaradas perante o fisco.
Por outro lado, o Banco Central vem trabalhando na criação de seu próprio criptoativo, chamado Real Digital5, que visa manter o Brasil alinhado com as novas tecnologias, vez que as moedas virtuais têm o potencial de melhorar a eficiência do mercado de pagamento de varejo e de promover a competição e a inclusão financeira para a população ainda inadequadamente atendida por serviços bancários.
Todos esses avanços, tanto no campo legislativo, quanto no contexto da Receita Federal e do Banco Central, demonstram que os temas envolvendo as moedas virtuais passarão a ser cada vez mais presentes no dia a dia da advocacia contenciosa, já que tais ativos poderão ser, inclusive, utilizados para o pagamento de débitos judiciais.
Tanto é verdade, que em recente decisão, proferida pelo Tribunal de Justiça do Estado de São Paulo (TJ/SP)6, foi admitido o pedido de expedição de ofícios para seis exchanges de criptomoedas. Naquela oportunidade, o TJSP entendeu que: (i) não há óbice legal para impedir tal pesquisa, haja vista que o processo executivo se desenvolve no interesse do credor, na forma do art. 797 do CPC; (ii) há regulamentação específica da Receita Federal, que institui e disciplina a obrigatoriedade de prestação de informações relativas às operações com criptoativos; (iii) as informações sobre as operações envolvendo criptomoedas possuem caráter sigiloso, exigindo a intervenção do Poder Judiciário.
É justamente por conta da expansão do comércio de moedas virtuais que a decisão proferida pelo TJ/SP assume grande importância, pois amplia as possibilidades de localização de ativos para pagamento de dívidas, sobretudo em processos executivos em que devedores se utilizam de complexos métodos de ocultação de bens, justamente para frustrar o pagamento de credores.
Interessante mencionar que, enquanto não houver legislação específica sobre a forma de tratamento das moedas virtuais, as corretoras que operam criptomoedas não serão atingidas pelo Sistema de Busca de Ativos do Poder Judiciário (SISBAJUD). No entanto, nada impede a expedição de ofício à Secretaria da Receita Federal, para que se obtenha a declaração de imposto de renda da parte devedora, na qual deverão ser declaradas as compras de ativos virtuais.
Portanto, cabe aos operadores do direito se manterem atualizados sobre as novidades do mercado financeiro, que possuem reflexos diretos em processos judiciais. Afinal, conforme os ensinamentos do professor Castro Neves, na advocacia contenciosa, a ignorância, pelo causídico, do ordenamento jurídico resulta, em regra, na desgraça do cliente.7
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1 NEVES, José Roberto Castro. Prática para contencioso: A advocacia do Século XXI. In: NEVES, José Roberto Castro; DUARTE, Ronnie (coord). O advogado do Século XXI: Os novos desafios do profissional do direito. Rio de Janeiro. Editora Nova Fronteira. 2021. P. 63
2 Ibid. p. 69
3 Ibid. p. 72
4 http://normas.receita.fazenda.gov.br/sijut2consulta/link.action?visao=anotado&idAto=100592
5 https://www.bcb.gov.br/estabilidadefinanceira/real_digital
6 (TJ/SP; Agravo de Instrumento 2212988-06.2021.8.26.0000; Relator (a): Elói Estevão Troly; Órgão Julgador: 15ª Câmara de Direito Privado; Foro Central Cível – 21ª Vara Cível; Data do Julgamento: 22/11/2021; Data de Registro: 22/11/2021)
7 Idem. p. 72
Pedro Nogoceke
Advogado do escritório Farracha de Castro.