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Por conta da lei 14.026/20, o artigo 21 do Novo Marco Legal do Saneamento (NMLSB) – reiterando parte da redação original da lei 11.445/07 – foi muito claro ao afirmar que a “função de regulação, desempenhada por entidade de natureza autárquica dotada de independência decisória e autonomia administrativa, orçamentária e financeira, atenderá aos princípios de transparência, tecnicidade, celeridade e objetividade das decisões”.
Percebe-se, portanto, que o NMLSB obriga a “autarquia a ter independência decisória em relação à Administração direta. Não cabe aqui, portanto, ao chefe do Poder Executivo rever as decisões de tais autarquias, sejam elas qualificadas como ‘agências reguladoras’ ou não. Pela LSB, não caberia sequer um ‘recurso hierárquico impróprio’, já que isso tiraria a ‘independência decisória’ da autarquia1”.
Analisando a legislação de algumas Agências Infranacionais2 (agências reguladoras de serviços de saneamento com atuação municipal, intermunicipal, distrital ou estadual), verificam-se casos flagrantes de inadequação ao modelo exigido pelo artigo 21 NMLSB, conforme passamos a detalhar brevemente a seguir.
De início destaque-se que, na Agência Reguladora dos Serviços Públicos Delegados do Município de Manaus – AGEMAN, suas decisões podem ser objeto de recurso (art. 22, XIII da lei 2265/17) dirigido a um Conselho Municipal de Regulação e Fiscalização dos Serviços Públicos Delegados formado por representantes da própria autarquia, da sociedade civil, do Poder Executivo, dos operadores de serviço, dos usuários e do Poder Legislativo.
O mesmo ocorre com a Agência Reguladora de Feira de Santana- ARFES (art. 20, V da Lei Complementar 93/15), cujas decisões se submetem em caráter recursal a um Conselho Superior com 5 Secretários Municipais em sua composição.
Já na Agência Reguladora de Serviços Públicos do Município de Petrolina – ARMP (art. 29 da Lei Complementar Municipal 1.241/03) as suas decisões deverão submetidas ao Prefeito Municipal antes da publicação.
Diante desses casos relatados acima, é preciso destacar que “de nada adianta atribuir a obrigatoriedade da constituição de uma agência reguladora para a consecução de um sistema regulatório complexo que envolve a concessão de um serviço público se esta não terá autonomia e independência para exercer seu ofício3”.
Assim, sobretudo para um legítimo exercício da regulação discricionária4, mas não só isso, é imprescindível, sob pena de ilegalidade, que a agência reguladora que promova a regulação dos serviços de saneamento em caráter infranacional, possua, a exemplo da ANA (Agência Nacional de Águas e Saneamento Básico), independência decisória.
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1 Freire, André Luiz, Saneamento Básico: Titularidade, Regulação e Descentralização, O novo direito do saneamento básico: estudos sobre o novo marco legal do saneamento básico no Brasil (de acordo com a Lei nº 14.026/2020 e respectiva regulamentação), coordenado por Fernando Vernalha Guimarães, Belo Horizonte: Fórum, 2022, pág. 88.
2 Universo de autarquias analisadas: Agência Reguladora dos Serviços Públicos do Estado do Acre – AGEAC (Lei Complementar nº 278/2014); Agência Municipal de Regulação de Serviços Delegados de Maceió – ARSER (Lei nº 6592/2016); Agência Reguladora de Serviços Públicos do Amapá – ARSAP (Lei nº 0625/2001); Agência Reguladora dos Serviços Públicos Delegados do Município de Manaus – AGEMAN (Lei nº 2265/2017); Agência Reguladora dos Serviços Públicos Delegados e Contratados do Estado do Amazonas – ARSEPAM (Lei nº 5.060/2019); Agência Reguladora de Saneamento Básico do Estado da Bahia – AGERSA (Lei nº 12.602/2012); Agência Reguladora de Feira de Santana- ARFES (Lei Complementar nº 93/2015); Agência Reguladora e Fiscalizadora dos Serviços Públicos de Salvador – ARSAL (Lei nº 7.394/2007) e Agência Reguladora de Serviços Públicos do Município de Petrolina – ARMP (Lei Complementar Municipal nº 1.241/2003).
3 Souza, Caio Augusto Nazário de, ANA – A federalização regulatória dos serviços de saneamento básico e o fortalecimento das agências, Novo marco legal do saneamento / Bernardo Strobel Guimarães, Andréa Costa de Vasconcelos, Ana Carolina Hohmann (Coord.), Belo Horizonte: Fórum, 2021, pág. 97.
4 Existem duas formas tradicionais de regulação de serviços públicos, a regulação contratual e a regulação discricionária/por regulação através de agência independente. Neste sentido, vejam-se as lições de Rafael Véras: “Segue daí o surgimento de duas modalidades de regulação de contratos de infraestrutura: a regulação discricionária (discretionary regulation),predominantemente realizada pela entidade reguladora; e a regulação por contrato (regulation by contract). A regulação discricionária (discretionaryregulation) tem por desiderato estabelecer uma estrutura de custos para o agente regulado, a ser remunerada por determinada taxa de rentabilidade. Utilizando-se de tal metodologia, estabelece-se uma remuneração pelos investimentos realizados e/ou previstos (Capex Capital Expenditure -CAPEX) e pelos custos operacionais incorridos e/ou previstos (OperationalExpenditure – OPEX). Trata-se de uma modalidade de regulação que tem por objetivo primeiro interditar que o agente monopolista cobre preços supracompetitivos, por intermédio da simulação de um mercado competitivo (Competition in the Market).A regulação por contrato (Regulation by Contract), por sua vez, tem lugar pelo estabelecimento, ex ante, após a realização do leilão, dos custos que serão incorridos pela firma. Em resumo, essa modalidade de regulação contratual estabelece, desde a modelagem inicial, uma variação do preço obtido no âmbito do procedimento licitatório: (i) pelo reajuste anual; (ii) pelo estabelecimento de uma adequada matriz de riscos contratuais; (iii) pelo estabelecimento de níveis qualitativos de serviços; (iv) pela previsão de obrigações de investimentos, dentre outros arranjos contratuais. Por meio dessa modalidade, se estabelece que a formação do ‘preço’ se dará pela exploração do monopólio natural, diante da competição pelo mercado (Competition for the Market).São modelos contratuais que partem de um maior ou de um menor juízo probabilístico. Na regulação discricionária, presume-se que os custos apresentados pelo concessionário serão lineares e não exorbitantes. Mais que isso, presume-se que a taxa de rentabilidade para a exploração do ativo permanecerá adequada no longo prazo. De modo que, caso tais premissas sejam desfeitas, terá lugar um pleito de equilíbrio econômico-financeiro. Do mesmo modo, na regulação contratual, esquadrinha-se uma matriz de riscos e obrigações contratuais, valendo-se de juízos prospectivos e probabilísticos, que comporão o equilíbrio econômico financeiro do contrato. Daí que, materializado um risco alocado a uma das partes, masque produza impactos econômico-financeiros à outra, exsurgirá o direito de reequilíbrio contratual.” (Freitas, Rafael Veras de, Regulação por contratos de concessão em situações de incerteza, revista Int. Públ. – IP, Belo Horizonte, ano 23, nº 125, págs. 190/191, jan./fev. 2021)
Aldem Johnston Barbosa Araújo
Advogado em Mello Pimentel Advocacia. Membro da Comissão de Direito à Infraestrutura da OAB/PE. Especialista em Direito Público.