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A comissão paga aos empregados não integra a base de cálculo da folha de pagamento. Essa foi a interpretação do TST, no recente julgamento do Recurso de Revista 59.62.2021.5.23.0106, ampliando o alcance das negociações coletivas.
A polêmica da decisão diz respeito ao seguinte questionamento: As normas coletivas têm autonomia para alterar a natureza jurídica de verbas trabalhistas?
O art. 7º, XXVI da Constituição Federal, dedica-se ao reconhecimento das normas coletivas de trabalho, e o art. 611-A da CLT é expresso ao determinar que o negociado prevalece sobre o legislado sobre determinados temas.
Já o art. 611-B traz algumas limitações quanto aos direitos passíveis de modificação mediante norma coletiva
O STF, por sua vez, no julgamento do Tema 1.046, fixou a tese de que “são constitucionais os acordos e as convenções coletivas que, ao considerarem a adequação setorial negociada, pactuam limitações ou afastamentos de direitos trabalhistas, independentemente da explicitação especificada de vantagens compensatórias, desde que respeitados os direitos absolutamente indisponíveis”.
Observa-se, portanto, que o STF chancelou a constitucionalidade do art. 611-A, da CLT, mas determinou uma limitação, complementando o art. 611-B da CLT: deve-se respeitar os direitos absolutamente indisponíveis.
É fato que a tese firmada pelo STF merece críticas, considerando a sua subjetividade.
O princípio da adequação setorial negociada, mencionado na tese, permite que o ajuste de uma norma autônoma se sobreponha à legislação, desde que resguardados direitos absolutamente indisponíveis.
O desafio que se apresenta é determinar quais os direitos trabalhistas estão inseridos no conceito de indisponibilidade absoluta.
Questões relacionadas à redução de salário, por exemplo, por haver previsão constitucional retratada no princípio da irredutibilidade salarial, certamente estariam incluídas nesse conceito.
Nesse sentido, o ministro Roberto Barroso, relator do Tema 152 no STF, que aborda assunto semelhante, indicou direitos resguardados da negociação:
“Embora, o critério definidor de quais sejam as parcelas de indisponibilidade absoluta seja vago, afirma-se que estão protegidos contra a negociação in pejus os direitos que correspondam a um patamar civilizatório mínimo, como a anotação da CTPS, o pagamento do salário-mínimo, o repouso semanal remunerado as normas de saúde e segurança do trabalho, dispositivos antidiscriminatórios, a liberdade de trabalho etc.”
Dentro dessa problemática, é possível alterar a natureza jurídica trabalhista de determinada verba?
A 8ª Turma do TST entendeu que sim, reconhecendo a validade de cláusula de Convenção Coletiva de Trabalho que alterava a natureza jurídica das comissões, convertendo-as de natureza salarial para indenizatória.
Sobre o tema, o art. 457, §1º da CLT não deixa dúvidas quanto à natureza salarial das comissões pagas pelo empregador ao empregado:
“Art. 457. Compreendem-se na remuneração do empregado, para todos os efeitos legais, além do salário devido e pago diretamente pelo empregador, como contraprestação do serviço, as gorjetas que receber.
§1º. Integram o salário a importância fixa estipulada, as gratificações legais e as comissões pagas pelo empregador.”
Soma-se a isso, a previsão do inciso XXIX, do art. 611-B da CLT, que trata como ilícita a supressão ou redução de tributos mediante negociação coletiva. Em suma, a CLT é clara ao definir a natureza jurídica das comissões e, da mesma forma, descreve como inválida a norma coletiva que reduzir tributos.
Por outro lado, a decisão do TST, fundamentada na tese vinculante do STF, entendeu que a conversão da comissão para natureza indenizatória está abarcada pela autonomia negocial coletiva, sendo plenamente válida a norma em questão.
Evidentemente se trata de decisão bastante polêmica, visto que a alteração da natureza jurídica das comissões impacta diretamente a base de cálculo tributária e previdenciária. Com isso, pode-se entender que o TST transige em matéria tributária, o que é vedado na legislação.
Não obstante, e sem a pretensão de esgotar o debate sobre o tema, é fato que a alteração terá maiores impactos no aspecto tributário, mas não trará prejuízos notáveis ao empregado, na medida em que este continuará a receber o valor total das comissões, inclusive sem a incidência de descontos.
É verdade que haverá redução da contribuição previdenciária e do recolhimento do FGTS, todavia, parece-me mais vantajoso ao empregado a ausência desses descontos do valor de comissão a receber.
Embora o assunto provoque questionamentos sobre a insegurança jurídica e intervenção em tópico tributário, é necessário fomentar a discussão do outro ponto de vista: do desenvolvimento da autonomia coletiva e a sua ampliação.
É certo que a autonomia negocial coletiva foi erigida ao patamar constitucional, e estimulada com o advento da Reforma Trabalhista. Indubitavelmente a intenção do legislador foi impulsionar as negociações coletivas, tanto é que aludida regra foi corroborada pela Suprema Corte.
Inclusive, não se trata de uma decisão isolada. O TST já manifestou esse entendimento, no sentido de ampliar a autonomia coletiva, em outros casos, como por exemplo, sobre a natureza híbrida da verba anuênio, e de negociações sobre PLR.
A conclusão que se atinge é de que a negociação coletiva se apresenta como instrumento para redução da elevada carga tributária que incide sobre a folha de pagamento das empresas, um dos principais fatores que contribuem para a situação de crise econômico-financeira do país.
Daniel Pressatto
Advogado, Professor e Consultor. Sócio do escritório Bismarchi Pires Sociedade de Advogados. Pós-Graduado em Direito e Processo do Trabalho pela FACAMP. Bacharel em Ciências Jurídicas e Sociais pela Faculdade de Direito da PUC-Campinas. Advogado com mais de 12 anos de experiência, especialista em direito do trabalho empresarial e compliance, com foco em reestruturação de empresas e gestão preventiva.