Advogado ameniza venda de íris:

Advogado ameniza venda de íris: “dados vazam sem que ninguém receba” – Migalhas

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Quanto vale a sua íris? O que parecia ficção científica virou realidade: empresas estão pagando para coletar dados biométricos, e a íris se tornou o novo alvo desse mercado, com o argumento de criar uma identidade digital única e global.

Mas essa prática é legal? Até que ponto a LGPD  protege os cidadãos? Para responder a essas perguntas e entender os riscos dessa nova tendência, conversamos com o advogado e especialista em Direito Digital Ronaldo Lemos.

Para ele, a questão da comercialização de dados biométricos não pode ser analisada isoladamente, mas dentro de um contexto maior: a crise da identidade no Brasil.

“A gente está vivendo uma crise dos métodos de identificação e da prova de identidade, porque os métodos que a gente tinha, , que são os métodos governamentais, que é a nossa identidade, nosso CPF, esses documentos, eles são facilmente acessíveis para bandidos, que usam isso, inclusive, para atacar familiares, atacar pessoas idosas. Então, a gente está vivendo, literalmente, uma crise da identidade.”

Essa fragilidade no sistema de identificação tradicional impulsionou o surgimento de novas formas de verificação da identidade, como a coleta de íris.

“O que está acontecendo é que tem um monte de empresas, agora, oferecendo esse serviço.”

A Tools for Humanity, responsável pela coleta de íris, é apenas uma delas.

“Hoje, para acessar um banco ou fazer uma transação online, você já precisa da biometria facial. Mas até esse sistema está sob pressão com a evolução da inteligência artificial.”

Riscos da biometria e o medo da espionagem

O uso da biometria para identificação também levanta preocupações sobre vigilância e controle de dados. Lemos ressalta que o medo de que governos ou empresas utilizem essas informações para monitoramento e espionagem não é infundado.

“Esse medo a gente tem que pensar nele o tempo todo mesmo. Por isso que eu defendo que a identidade digital seja o que a gente chama de uma identidade autossoberana, onde o controle sobre ela fica 100% com o cidadão.”

Para ele, um sistema seguro de identidade digital deveria permitir que cada pessoa tivesse total controle sobre seus próprios dados, podendo revogar autorizações e evitar o uso indevido de informações por terceiros.

“Não é o governo que controla a sua identidade. É você que controla a sua identidade e pode, inclusive, dizer para quem ela vai. Você pode revogar o uso dela e retomar as autorizações que você eventualmente deu.”

 (Imagem: Arte Migalhas)

Venda de íris: Advogado alerta sobre riscos à privacidade e lacunas na LGPD diante do avanço das empresas de biometria.(Imagem: Arte Migalhas)

Venda de íris e a LGPD

Sobre a legalidade da venda de íris, Lemos pondera que a simples coleta de dados biométricos não configura, por si só, uma violação à LGPD.

Ele ressalta que a ilegalidade não está no processo de captura da íris ou do rosto, mas na forma como esses dados são utilizados e se a legislação está sendo cumprida.

“A ilegalidade não está no processo de tomada da íris ou do rosto, a ilegalidade está na forma como esse dado é usado, tratado e se depois que ele é coletado, a LGPD está sendo analisada, ou melhor, cumprida.”

O advogado alerta, no entanto, que a coleta de íris é apenas um pequeno cenário dentro de um problema muito maior na identificação brasileira.

“Hoje, para entrar em um prédio comercial, você tem que fazer biometria facial. E ninguém sabe para onde esses dados vão. O problema é generalizado.”

Além disso, ele vê com preocupação a recente decisão da ANPD – Autoridade Nacional de Proteção de Dados. No último dia 25, a Agência determinou a suspensão da “compra de íris” realizada pela Tools for Humanity.

“Isso me incomoda muito. A autoridade está impedindo que pessoas que precisam de dinheiro tomem uma decisão livre e recebam R$ 600 ou R$ 700 por isso. Você já não tem recursos e, agora, também não pode decidir sobre seu próprio corpo? Que cidadania é essa?”

Veja a entrevista:

Futuro

Para ele, a solução para essa crise passa por uma mudança estrutural.

“O governo precisa agir na raiz do problema. No Brasil, a identidade digital nunca foi prioridade. Enquanto países como Índia e Estônia criaram sistemas seguros e centralizados, aqui ainda estamos no CPF e no RG com o dedão. Esses documentos já foram vazados e viraram fonte de golpes.”

Lemos também chama atenção para o papel da ANPD.

“A LGPD é muito importante, mas ainda falta um mecanismo de aplicação mais contundente para os problemas que são massivos, problemas que afetam todo mundo.”

Para o futuro, Ronaldo Lemos defende que o Brasil saia do improviso e pense grande.

“A gente quer um país que tenha sistemas digitais de qualidade ou que continue apagando incêndios? Precisamos resolver os problemas estruturais, porque se não for a Tools for Humanity, amanhã será outra empresa. Tapar o sol com a peneira não resolve nada.”

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