Plano de saúde

Plano de saúde “falso coletivo”. Como se defender? – Migalhas

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Cometo aqui uma decisão da juíza Lisia Carla Vieira Rodrigues, da 4ª Vara Cível da Regional Jacarepaguá, Comarca da Capital, Rio de Janeiro, processo 0828668-76.2024.8.19.0203, que deferiu liminar à autora, para determinar que a ré restabeleça o seu plano de saúde, no prazo de 48 horas, e que a mantenha o plano de saúde, no valor R$2.725,25, observando o reajuste de 6,91%, fixado pela ANS – Agência Nacional de Saúde por ser um plano de saúde “falso coletivo”.

Caso concreto

Alega a autora que teve o plano de saúde cancelado unilateralmente e sem aviso prévio, pela operadora de saúde. Que, em abril de 2024, o valor da mensalidade do plano de saúde era de R$ 2.549,11. Porém, no mês de junho de 2024 foi aumentada para R$ 3.114,87; o que corresponde a uma variação aproximada de 22,19%.

Por uma simples conta de padaria dá para ver que o aumento do plano de saúde de R$ 2.549,11 para R$ 3.114,87 é escancaradamente abusivo!

Pergunta: o seu salário aumentou 22,19%?

Cabe destacar que o plano de saúde ao qual aderiu a contratante possui, somente, dois beneficiários. É “falso coletivo”. Tem natureza jurídica, na essência, de plano individual e familiar. Ocorre que, quando a autora aguardava uma consulta foi surpreendida com a informação de que seu plano estava cancelado. Ficou sem assistência.

Decisão liminar da magistrada

“Com efeito, hoje é patente em sede jurisprudencial que rescisão unilateral de plano de saúde, sem a notificação prévia é abusiva, não se justificando tal conduta, ainda que haja inadimplemento ou atraso no pagamento da contraprestação”.

Na decisão foi trazido à colação uma jurisprudência do TJ-RJ: 

“Processo nº 0815687-39.2024.8.19.0001 – Apelação. Des(a). Helda Lima Meireles – julgamento: 22/07/2024 – Segunda Câmara de Direito Privado (antiga 3ª Câmara Cível)) Apelação cível. ação declaratória cumulada com pedido de restituição do valor pago a maior. alegação de prática de reajustes abusivos. pretensão de reconhecimento de plano de saúde coletivo como atípico ou falso coletivo por possuir número ínfimo de participantes, com a aplicação dos aumentos anuais pelos índices previstos pela ANS para os planos familiares E individuais. sentença procedência dos pedidos. (…) O contrato que rege a relação entre a empresa apelada e a operadora de plano de saúde apelante, a despeito de ser formalmente um contrato coletivo empresarial, é, em verdade, um falso coletivo por consubstanciar plano familiar, estando destinado a poucas pessoas (04), sendo a maior parte da mesma família (03), todas vinculadas à pessoa jurídica estipulante. 6. Jurisprudência do C. STJ que autoriza tratar como plano individual ou familiar, o contrato coletivo ou empresarial que possua número diminuto de participantes, por apresentar natureza de contrato coletivo atípico (AgInt no AREsp n. 1.430.929/SP). Idêntico posicionamento já manifestou este E. TJRJ (Apelação 0170936-89.2019.8.19.0001). 7. Assim, é o caso de se aplicar, no lugar dos percentuais impugnados, aqueles da ANS para os planos individuais e familiares, relativos ao mesmo período, pois abusivos os reajustes praticados.”

Ou seja, a jurisprudência assentou o entendimento de que devem ser aplicadas as regras próprias dos planos individuais e familiares aos “falsos coletivos”.

Nesse sentido, o STJ, no AgInt no REsp 1.880.442/SP, relator Marco Buzzi, 4ª turma, julgado em 2/5/22, DJe de 6/5/22, entende que:

“Ademais, esta Corte Superior tem jurisprudência no sentido de que “é possível, excepcionalmente, que o contrato de plano de saúde coletivo ou empresarial, que possua número diminuto de participantes, como no caso, por apresentar natureza de contrato coletivo atípico, seja tratado como plano individual ou familiar”.

Correta a decisão do juízo

Pois então. Está absolutamente certa a magistrada! Coisas boas também acontecem no Direito. É, sim, uma decisão de acordo com a CF. Conectada com o CDC e o direito fundamental à saúde. Aliás, ao Estado-juiz promoverá, na forma da lei, a defesa do consumidor, não é? (CF, art. º XXXII).

Reajuste abusivo aos consumidores

Como falado, a operadora de plano de saúde, arbitrariamente e sem comprovação atuarial, reajustou o plano, em 22,19%. Vale lembrar de que a inflação da vida real ficou em 4,62%.

É uma “inflação lunática”, de 22,19%. Desconectada das coisas terrestres. Há uma diferença astronômica!

Tudo isso, torna inviável a continuidade no plano de saúde. O que gera angústia, tristeza, dor no coração, apreensão e abalo emocional.  

Os planos vêm sempre com a mesma ladainha: de que a culpa é da “inflação médica” e à alta sinistralidade.

Como assim?

Sinistro é o Tavinho, consumidor idoso ou doente ter que se virar para pagar essa conta. Aliás, não há rigor no controle e transparência de custos das operadoras.

Refrescando a memória: as operadoras de saúde fecharam o ano de 2023, com o lucro de R$ 3 bilhões, segundo a ANS1.

Por outro lado, as operadoras: negam atendimentos e até descumprem decisões judiciais. Serviço caro e sem respeito ao consumidor. As pedras e a torcida do Flamengo sempre souberam disso.

Mas para além dessas abusividades, há outra: queriam vergonhosamente cancelar milhares de planos de saúde. O que é uma brutalidade!

Briga de cachorros grandes pelo mercado bilionário de saúde

Ocorre que, com a omissão do Estado e o sucateamento do SUS, que, aliás, faz milagres, 51 milhões de brasileiros, que podem pagar com sacrifício, ficam nas mãos dos planos de saúde, onde prosperam os donos de hospitais e de operadoras, querendo sempre maximizar os seus lucros.

Ou seja, três em cada dez brasileiros dependem dos planos de saúde. Avança a saúde suplementar. Sete em cada dez dependem do SUS.

Infelizmente, tudo isso impõe marcha à ré no direito à saúde. Ele não pode ser suprimido nem enfraquecido, em face o princípio da vedação do retrocesso.

Desvantagem exagerada do plano de saúde

Há uma desvantagem exagerada e excessivamente onerosa para o consumidor, ou seja, a vantagem é manifestamente excessiva quando as condições se sujeitam ao puro arbítrio das operadoras de saúde. (art. 51 c/c art. 39, V, CDC, c/c art. 122 CC).

No caso concreto, o plano de saúde é o grandão, o fortão que tem a expertise, aliás, lucrando bilhões de reais por ano. O consumidor é o vulnerável. O fraquinho. O Tavinho. 

Plano de saúde “falso coletivo”

O “falso coletivo” é uma fraude para as operadoras de saúde terem mais liberdade nos reajustes das mensalidades e, assim, maiores lucros. A armadilha da seguradora é tentar fugir do índice fixado pela ANS para os planos individuais e familiares e impor, arbitrariamente, suas próprias regras, com preços exorbitantes.

À primeira vista, parece um plano coletivo. À segunda vista, na essência, o “falso coletivo” tem natureza jurídica de plano individual e familiar. Fica, sim, submetido as normas da ANS, que para este ano fixou o reajuste em 6,91%.

Sobre o tema, orienta a nota de esclarecimento sobre planos coletivos, emitida pela ANS, em 26.6.2013:

“São considerados “falsos’ coletivos” os contratos coletivos por adesão compostos por indivíduos sem nenhum vínculo representativo com a entidade contratante do plano de saúde. Por não terem representatividade, esses grupos ficavam mais vulneráveis.”

Por outras palavras, trata-se uma “falsa coletivização”, ante o número reduzido de seus membros. Em regra, são restritos aos componentes de uma única família.

Afinal, qual a pressão que um pequeno grupo familiar pode fazer na negociação com operadora de saúde?!

Explico: uma grande empresa tem igualdade com a seguradora na hora da negociação. Já o consumidor Tavinho é o fraquinho. Merece, sim, proteção do CDC.

Como o consumidor deve se proteger da abusividade?

Existe possibilidade de revisão de cláusulas contratuais em razão da abusividade havida entre as operadoras e beneficiários, no decorrer da relação jurídica de direito obrigacional.

Além do que, a indenização, por dano moral, pelo cancelamento unilateral e sem aviso prévio, do plano de saúde-falso coletivo-é evidente. Não há dúvidas. O consumidor não poderá utilizar o plano de saúde, o que, aliás, ocorreu no caso concreto. 

Conclusão

É notório de que as operadoras de planos de saúde, cotidianamente, empregam práticas abusivas. Na outra ponta, o consumidor, em estado de carência e condição de vulnerabilidade, está sempre se prejudicando.

O falso coletivo é uma fraude para as operadoras de saúde terem mais liberdade nos reajustes das mensalidades e, assim, maiores lucros. A armadilha da seguradora é tentar fugir do índice fixado pela ANS para os planos individuais e familiares e impor, arbitrariamente, suas próprias regras, com preços exorbitantes para os consumidores.

À vista disso, o consumidor deve, sim, levar a questão ao Poder Judiciário a fim impedir a abusividade do plano “falso coletivo” e garantir o acesso ao direito constitucional à saúde.

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1. https://www.gov.br/ans/pt-br/assuntos/noticias/numeros-do-setor/ans-divulga-dados-economico-financeiros-relativos-ao-4o-tri

Renato Ferraz

Renato Ferraz

Renato Ferraz é advogado, formado pela Universidade Federal Fluminense (UFF), professor da Escola de Administração Judiciária do TJ-RJ, autor do livro Assédio Moral no Serviço Público e outras obras

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