Confusão com estátua de Dom Quixote leva juiz a julgamento no CNJ   Migalhas

Confusão com estátua de Dom Quixote leva juiz a julgamento no CNJ – Migalhas

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Uma suposta confusão envolvendo uma (ou mais?) estátua de Dom Quixote levou um magistrado do Rio de Janeiro a responder a processo no CNJ. O juiz de Direito João Carlos de Souza Correa recebeu pena de advertência do TJ/RJ por ter se apropriado, por determinado tempo, de uma estátua que pertence ao acervo patrimonial do Fórum de Búzios.

Agora, o CNJ analisa possível revisão da pena. No processo, o magistrado afirma que tudo não passou de uma grande confusão, visto que há dois artistas com trabalhos muito semelhantes.

O caso foi a julgamento na sessão desta terça-feira, 2, mas a análise foi interrompida por pedido de vista.

O caso

A defesa do juiz alega que, em 2005, ele atuava em Búzios quando recebeu, do artesão argentino Domingo Soto, uma estatueta de Dom Quixote, de aproximadamente 1,70m de altura.

Anos depois, em 2012, o magistrado foi transferido para Campo Grande, no Rio, e, na mudança de fórum, a estatueta sumiu – teria sido extraviada, não chegando ao novo local de trabalho do juiz.

Anos depois, em 2017, um advogado informou o juiz que viu sua estatueta, já conhecida da antiga sala – estava exposta no fórum de Búzios. Assim, o juiz formulou requerimento ao antigo local de trabalho, pedindo que a peça fosse levada para seu novo gabinete. O pedido foi deferido, e a estátua foi levada por transporte oficial do Tribunal.

Mas, ao que parece, esta não era a estátua que o magistrado recebeu de presente de Domingo Soto. Tratava-se de uma estatueta muito semelhante, doada por Carlos Sisternas ao fórum de Búzios. 

Um ano e sete meses depois, o próprio Sisternas teria percebido o sumiço da escultura e comunicou a corregedoria do TJ, que abriu sindicância para apurar. Intimado pelo corregedor, o juiz devolveu o item e Dom Quixote voltou pra Búzios.

Dois artistas

Como se vê, o imbróglio envolve dois artistas, Domingo Soto e Carlos Sisternas.  O que se dá é que, segundo explicado pela defesa, um é aprendiz do outro, e portanto eles têm obras muito semelhantes.

 (Imagem: Reprodução/Arte Migalhas)

Domingo Soto e Carlos Sisternas e suas estatuetas de Dom Quixote.(Imagem: Reprodução/Arte Migalhas)

Domingo Soto nasceu em Buenos Aires, Argentina, em 1938, e, desde muito jovem manifestou interesse pelas artes. Na década de 70, mudou-se para o Brasil, onde instalou ateliê em São Paulo, depois Embu das Artes e, por fim, em Búzios, onde permaneceu até o fim da vida.

Por anos ele teria atendido a encomendas do STF de esculturas em cobre simbolizando “A Justiça”, mimo entregue a personalidades de destaque. Duas de suas obras, “Dom Quixote desolado” e “Dom Quixote a cavalo”, foram doadas ao Museu de Arte do Parlamento de São Paulo.

Quanto a Carlos Sisternas, ele é de Rio Novo do Sul/ES, mas trabalhou como pedreiro na construção civil de Búzios, e decidiu ficar por lá. Ele trabalhou no ateliê onde, por anos, Soto produziu centenas de imagens de Dom Quixote, e aprendeu o ofício.

Uma matéria jornalística publicada pelo O Perú Molhado diz que “quem passa em frente à loja acha que Soto continua vivo, pois as peças produzidas por Carlos são cópias fiéis do saudoso escultor”.

 (Imagem: Reprodução   O Perú Molhado)

Jornal O Perú Molhado conta a história de Carlos Sisternas.(Imagem: Reprodução – O Perú Molhado)

(Clique para ampliar)

Na reportagem, que data de 2011, Sisternas conta que estava produzindo várias peças de Dom Quixote a pedido de um juiz do Rio.

“Depois que ele [Soto] morreu, aprendi a fazer tudo direitinho. Parece que ele guia minhas mãos.”

A reportagem foi citada pela defesa do juiz na sustentação oral do CNJ.

Revisão disciplinar

Ao ser julgada pela corregedoria do RJ em julho de 2020, a conduta do juiz, que se apropriou da peça, foi considerada incompatível com a integridade que se espera do magistrado. Agora, o juiz busca a absolvição no CNJ.

Em sustentação oral, o representante do MP, José Adônis Callou de Araújo Sá, manifestou-se favoravelmente ao juiz, não visualizando infração disciplinar.

“Entendendo que lhe pertencia a estátua posteriormente avistada, ele fez um requerimento, e obteve deferimento. Me parece que não há infração disciplinar. Depois, recebeu intimação para devolver e o fez. Somente pelo tempo que pertenceu com ele, me parece insuficiente para caracterizar infração.”

Já o advogado do magistrado, João Francisco Neto, destacou que não houve dolo na conduta do juiz.

O conselheiro Giovanni Olsson, relator do caso, votou por julgar procedente a revisão, absolvendo completamente o magistrado das imputações constantes no processo.

O julgamento foi suspenso por pedido de vista do conselheiro Alexandre Teixeira.

Agora, se o caso é de dragões ou se são só moinhos de vento, a decisão está nas mãos do CNJ.

  • Processo: 0009145-75.2021.2.00.0000

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