A compensação de tributos e a medida provisória 135 de 31 de outubro de 2003
Tathiana Paula Rodrigues Bezerra*
Recentemente editada, a Medida Provisória 135, de 31 de outubro de 2003, tratou de diversas matérias de ordem tributária, tais como: (i) a cobrança não-cumulativa da COFINS (aumentando a carga tributária, principalmente das empresas pertencentes ao setor de serviços); (ii) novos procedimentos para compensação de tributos; (iii) a retenção antecipada de impostos e contribuições para empresas de diversos ramos, dentre outros assuntos.
A seguir, teceremos alguns comentários acerca da compensação de tributos, em face das mudanças trazidas pela referida medida provisória.
A princípio, cumpre esclarecer que nos termos das legislação em vigor (o artigo 74 da Lei 9.430/96, alterado pela Lei 10.637/02), é assegurado ao contribuinte o direito de proceder à compensação de créditos apurados, inclusive, os judiciais transitados em julgado, com quaisquer outros tributos, desde que administrados pela Secretaria da Receita Federal.
Por sua vez, a compensação deve se operar mediante a apresentação, pelo contribuinte, de declaração em que devem constar informações relativas aos créditos a serem utilizados e os respectivos débitos a serem compensados, conforme disposto na Instrução Normativa da Secretaria da Receita Federal nº 210/2002, com redação dada pela IN 323/2003.
Em breve síntese, é assim que funciona a compensação dos tributos administrados pela Receita Federal.
E é diante do quadro acima descrito que foi editada, recentemente, a Medida Provisória 135, que aumentou o rol de vedações à compensação, estabeleceu penalidades e demais procedimentos para sua realização, alterando, assim, mais uma vez, a redação do artigo 74, da Lei 9.430/96, além de aclarar e explicitar muitos pontos já abordados pela IN 210/02 (a qual, como se sabe, alterou em muitos aspectos a forma de compensação dos tributos federais), conforme se passa a demonstrar.
Vedações
A referida medida provisória inseriu no ordenamento jurídico, além das vedações à compensação já previstas anteriormente pela Lei 9.430/96 (a] com o saldo a restituir apurado na Declaração de Ajuste Anual do Imposto de Renda da Pessoa Física e b] com os débitos relativos a tributos e contribuições devidos no registro da Declaração de Importação), as seguintes:
1– Com débitos de tributos encaminhados à Procuradoria da Fazenda Nacional, para inscrição na Dívida Ativa da União Federal1 ;
2– Com débitos incluídos no REFIS, ou parcelamento a ele alternativo;2 e
3– Com débitos que já tenham sido objeto de compensação não homologada pela Receita Federal3.
Dessa forma, restringiu-se, ainda mais, o direito à compensação do contribuinte. Principalmente ao se impedir a compensação com débitos encaminhados à Procuradoria para inscrição na Dívida Ativa, o que, em nosso entender, viola o direito à compensação amplamente assegurado ao contribuinte, além de lhe causar sérios prejuízos.
Isso porque tal disposição permite o ajuizamento de execução fiscal, promovida pela Fazenda Nacional em face do contribuinte, sendo que este (contribuinte), ao mesmo tempo, possui créditos perante a própria Fazenda Nacional, mas que por tal vedação – encaminhamento do débito à Procuraria da Fazenda Nacional – não podem ser objeto de compensação, o que é um verdadeiro despautério, bem como manifesta ofensa ao princípio da isonomia.
Nesses casos, deve o contribuinte prejudicado ingressar em Juízo, a fim de assegurar seu lídimo direito de proceder à compensação de seus créditos com débitos, mesmo os já encaminhados para inscrição da Dívida Ativa.
Homologação da Declaração de Compensação
Já no tocante à homologação da Declaração de Compensação apresentada pelo contribuinte, a MP 135 dispôs da seguinte forma:
1– O prazo para homologação da compensação de tributos efetuada pelo contribuinte é de 05 (cinco) anos;
2– A declaração de compensação de tributos constitui confissão de dívida e instrumento hábil para a exigência de débitos indevidamente compensados, ou seja, passível da propositura de execução fiscal;
3– Não homologada a compensação, o contribuinte tem o prazo de 30 (trinta) dias para se manifestar, ou efetuar o pagamento do tributo4 ;
4– Decorrido este prazo sem manifestação ou pagamento, o débito será encaminhado à Procuradoria da Fazenda Nacional para inscrição na Dívida Ativa;
Nesse sentido, a MP 135/03 passou a dispor de forma mais benéfica ao contribuinte, vez que a IN 210/02 dispunha que, uma vez não homologada a compensação, o débito deveria ser encaminhado para inscrição da Dívida Ativa, independentemente da apresentação de manifestação contrária do contribuinte, ao passo que a MP 135/03 prevê que o débito apenas será encaminhado para inscrição na Dívida Ativa após decisão definitiva acerca da manifestação de inconformidade contra a não homologação da compensação.
De outra parte, surge também uma importante discussão, vez que de acordo com a MP 135/03, a simples Declaração de Compensação constitui confissão de dívida, e, portanto, é passível de imediata exigência pelo Fisco.
Ocorre que a mera declaração de compensação do contribuinte não pode ser tida, por si só, como um “fato gerador de tributos”.
Ademais, a declaração de compensação não homologada, somente poderá ser passível de exigência após a apreciação pelo Conselho de Contribuintes do Ministério da Fazenda, cabendo ao contribuinte lesado questionar essa arbitrária “presunção de confissão”.
Aplicação de Multas
De outro lado, em relação a eventuais diferenças da Declaração de Compensação, decorrentes da inclusão de créditos ou débitos, vedada por expressa disposição legal, em que restar caracterizada a prática de fraude, sonegação ou conluio, serão aplicadas multas de ofício, isoladas5 que podem variar entre 75% (setenta e cinco por cento) e 150% (cento e cinqüenta por cento), conforme o caso.
Como se vê, as multas para quem se utilizar da compensação com débitos expressamente vedados (acima arrolados) são altíssimas, o que demonstra a clara intenção do Fisco em penalizar o contribuinte que efetuar, erroneamente, a compensação de tributos.
De outra parte, como sua aplicação varia de acordo com o caso concreto, deve o contribuinte de boa-fé, permanecer atento, a fim recorrer da aplicação de multas abusivas e confiscatórias aplicadas pelo Fisco Federal.
Recursos e Manifestações
Fica assegurado ao contribuinte o direito de se manifestar – tanto acerca da não homologação da compensação realizada, como acerca da imposição de multa de ofício, pelo Fisco Federal – nos termos e formas a seguir explicitados:
1– Do indeferimento da Declaração de Compensação, cabe ao contribuinte a apresentação de manifestação, no prazo de 30 (trinta) dias6;
2– Por sua vez, sendo proferida decisão julgando improcedente a manifestação do contribuinte, cabe a interposição de recurso ao Conselho de Contribuintes;
3– Já da imposição de multa, cabe ao contribuinte a apresentação de impugnação7;
4– Por fim, é importante ressaltar que nas hipóteses em que o contribuinte apresentar, simultaneamente, manifestação à não homologação de sua Declaração de Compensação, bem como impugnação à multa aplicada pelo Fisco, ambas as peças deverão ser reunidas para que sejam julgadas em conjunto.
Assim, como se vê, resta ao contribuinte lesado o direito de recorrer da decisão que não homologar seu pedido de compensação, bem como da aplicação de multa imposta de ofício pelo Fisco, em decorrência da compensação errônea, sendo importante se frisar que a apresentação de manifestação impede o encaminhamento do débito para inscrição na Dívida Ativa.
Disposições Gerais
Por fim, a MP 135/03 atribuiu, ainda, competência para que a Secretaria da Receita Federal discipline, para fins de apreciação das declarações de compensação e dos pedidos de restituição e de ressarcimento, critérios de prioridade em função dos valores a serem compensados, restituídos ou ressarcidos e dos prazos de prescrição.
Em outras palavras, a Secretaria da Receita Federal poderá disciplinar, a fim de definir o critério de prioridade para análise das Declarações de Compensação, (i) os valores a serem compensados, bem como (ii) os prazos de prescrição.
Nesse caso, embora alguns tributaristas já sustentem a inconstitucionalidade de tal medida, vez que estaria a violar o artigo 146, III, da Constituição Federal, o qual prevê que somente a Lei Complementar disporá acerca da prescrição em matéria tributária, adotamos o posicionamento de que não houve afronta a Lei Maior.
Isso porque o Senhor Presidente não ousou atribuir competência à Receita Federal, para dispor acerca da prescrição para compensação de tributos, mas tão somente, para fixar critérios de ordem na apreciação das Declarações de Compensação, conferiu competência para que o Fisco possa dar prioridade à análise de Declarações de Compensação mais antigas, evitando-se, assim, a ocorrência de prescrição, vez que a homologação tácita da Declaração de Compensação ocorre transcorridos 5 (cinco) anos da data de seu protocolo pelo contribuinte.
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1Antes, a já controvertida vedação imposta pela IN 210/02, limitava a compensação apenas a débitos já inscritos na Dívida Ativa.
2Já prevista na IN 210 (vide artigo 21, § 3º, IV).
3 Anteriormente implícita, na IN 210 (vide artigo 21, § 4º).
4 Vide IN 210/02, artigo 22
5Somente o débito indevidamnete reduzido será inscrito em Dívida Ativa.
6Conforme já era previsto no artigo 21, da IN 210/03, com a ressalva de que agora, a apresentação de manifestação em face da não homologação, obsta o encaminhamento do suposto débito para inscrição na Dívida Ativa.
7O artigo 23, da IN 210/02, já dispunha neste sentido.
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* Advogado do escritório Rayes, Fagundes & Oliveira Ramos Advogados Associados
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Atualizado em: 15/12/2003 07:21