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A recente alteração no art. 406 do CC, promovida pela lei 14.905, de 28/6/24, ao esclarecer que os juros legais correspondem à Taxa Selic, reacendeu um debate jurídico significativo: a diferenciação entre os juros compensatórios e os juros punitivos em condenações judiciais. Essa definição normativa reafirma a necessidade de delimitar com precisão as finalidades distintas de cada modalidade de juros, especialmente no contexto das decisões judiciais.
A nova redação do art. 406 do CC – Taxa Selic
O art. 406 estabelece que, na ausência de estipulação contratual, de taxa estipulada ou por lei específica, os juros de mora devem ser fixados com base na taxa que estiver em vigor para a mora do pagamento de impostos devidos à Fazenda Nacional, atualmente representada pela Taxa Selic.
Lei 14.905, de 28/6/24, alterou o art. 406 do CC brasileiro, que passou a vigorar com a seguinte redação:
Art. 406. Quando não forem convencionados, ou quando o forem sem taxa estipulada, ou quando provierem de determinação da lei, os juros serão fixados de acordo com a taxa legal.
§ 1º A taxa legal corresponderá à taxa referencial do Sistema Especial de Liquidação e de Custódia (Selic), deduzido o índice de atualização monetária de que trata o parágrafo único do art. 389 deste Código.
§ 2º A metodologia de cálculo da taxa legal e sua forma de aplicação serão definidas pelo Conselho Monetário Nacional e divulgadas pelo Banco Central do Brasil.
§ 3º Caso a taxa legal apresente resultado negativo, este será considerado igual a zero para efeito de cálculo dos juros no período de referência.
Contudo, a redação do dispositivo também confere ao juiz margem para estipular taxa de juros de mora fixada em 1% ao mês, desde que justificado no caso concreto, pois não configura uma aplicaçãode juros abusivo ou sequer desproporcional.
Essa estipulação fica autorizada pela margem de discricionariedade do juiz para estipular os juros de mora em 1% ao mês, afastando, assim, a aplicação da Taxa Selic como índice padrão, desde que tal fixação esteja devidamente fundamentada e respeite os limites legais e contratuais estabelecidos.
Ao proferir uma sentença com dispositivo condenatório fixando juros moratórios de 1% ao mês, o magistrado não apenas assegura a efetividade da tutela jurisdicional mediante a condenação, mas também estipula, de forma inequívoca, a sanção aplicável ao devedor em razão da mora, em conformidade com os parâmetros legais, sem qualquer abusividade, pois devidamente amparado pelo caput do art. 406 do CC, diga-se, estipulação com índice fixo dos juros de mora.
Essa flexibilização busca atender e reforçar a diferença entre as finalidades das modalidades de juros.
Os juros de mora judiciais possuem um caráter nitidamente sancionatório, funcionando como uma penalidade ao réu pelo não reconhecimento do direito do autor, posteriormente confirmado em sentença ou acórdão.
Essa perspectiva decorre do entendimento de que o réu, ao resistir injustificadamente à pretensão do autor, priva este de uma reparação célere e efetiva, atrasando o cumprimento de uma obrigação legítima.
A resistência infundada do réu gera prejuízos econômicos ao autor, que deixa de usufruir do valor ou direito que lhe era devido.
Por essa razão, os juros de mora de 1% ao mês assumem a função de desestimular condutas protelatórias no processo judicial e de compensar o tempo em que o autor ficou privado de seu direito.
Assim, eles não são meramente indenizatórios como os juros legais da taxa SELIC (caráter remuneratório) mas um instrumento de punição para quem agiu com deslealdade processual ou não cumpriu suas obrigações.
Ao estabelecer os juros de mora de 1% ao mês, o magistrado visa proteger o equilíbrio das relações jurídicas e reforçar a confiança no sistema judicial, impondo ao réu o ônus de sua conduta omissiva ou protelatória.
Dessa forma, os juros punitivos cumprem o papel de sancionar o comportamento negligente, garantindo uma resposta proporcional ao desrespeito ao direito reconhecido em sentença ou acórdão.
Portanto, a aplicação do índice de 1% ao mês reforça o caráter punitivo dos juros em situações em que o juiz avalia que o devedor agiu com negligência ou má-fé, ou até mesmo por postergar o reconhecimento do direito do autor.
Assim, a continuidade da aplicação dos juros de 1% como taxa estipulada na sentença ou acórdão, define o caráter punitivo reconhecido e imposto pelo juízo.
Essa autonomia conferida ao juiz para determinar os juros de mora baseia-se na ideia de que a punição deve ser proporcional ao comportamento do devedor.
Ao optar por fixar os juros em 1% ao mês, o magistrado cumpre o disposto no caput do art. 406 do CC e estabelece um índice fixo que afasta a aplicação da Taxa Selic, uma vez que a taxa foi claramente determinada pelo juízo e fixada na condenação.
A definição de estipular, segundo o Dicionário Michaelis, é:
É fundamental que o magistrado, ao estipular (fixar) os juros de mora, motive adequadamente sua decisão, justificando por que o índice de 1% ao mês é o mais adequado ao caso concreto.
Ao fundamentar a condenação, o juiz demonstra que a escolha desse percentual atende tanto ao requisito legal quanto às expectativas de justiça material, reforçando o caráter pedagógico da sanção.
Essa interpretação preserva a função punitiva dos juros de mora e garante a ética das relações obrigacionais inadimplidas.
Ademais, oferece uma solução mais adequada em casos de mora onde a Taxa Selic não atende às especificidades do caso concreto ou às expectativas de justiça material.
Pelo lado financeiro, atualmente não há mais uma diferença significativa entre a aplicação da taxa SELIC e os juros de mora de 1% ao mês, tão combatidos pelos devedores.
A taxa SELIC é uma taxa flutuante que reflete a inflação e as perdas financeiras do período, o que pode torná-la, em determinados momentos, ainda mais onerosa para o devedor do que os juros fixos de 1% ao mês.
Em cenários de alta da inflação, por exemplo, a SELIC tende a subir, atingindo patamares acima de 14% ao ano, gerando um impacto financeiro severo ao devedor.
Dessa forma, a mudança promovida pela substituição dos juros fixos pela SELIC pode ser vista, em muitos casos, como uma troca equivalente, ou até mais desfavorável ao devedor.
Como se diz no senso comum, “trocou-se seis por meia dúzia”.
Ironicamente, a luta travada pelos devedores pela adoção da SELIC pode acabar resultando em um ônus maior, a depender das condições econômicas de cada período e das especificidades de cada caso judicial.
Outro ponto relevante decorrente da alteração do art. 406, introduzida pela lei 14.905, de 28/6/24, é a irretroatividade das leis, especialmente nos processos judiciais já com andamento em fase avançada e com decisões impostas com aplicação de juros de mora de 1% ao mês.
A lei 14.905/24 reafirma a capacidade do Direito Civil de se adaptar às mudanças sociais e econômicas. Contudo, o princípio da irretroatividade assegura a preservação do equilíbrio das relações jurídicas e a previsibilidade, restringindo a aplicação da taxa SELIC aos casos com sentenças ou acórdãos publicados antes de sua vigência.
Assim, para os processos que já tenham decisões estabelecendo juros de mora de 1% ao mês, seja em razão de seu caráter punitivo, seja por sua consolidação na jurisprudência, a eventual aplicação da taxa SELIC só poderá ocorrer a partir da data de vigência da nova lei (30/8/24 – 60 dias após sua publicação).
Essa regra protege os efeitos das decisões proferidas com base na legislação anterior, garantindo a segurança jurídica e a estabilidade das relações processuais.
Conclusão
A nova redação do art. 406 do CC confere ao magistrado a liberdade na aplicação da condenação, com base nos juros de mora de 1% ao mês ou juros legais (SELIC), refletindo o equilíbrio entre os princípios da discricionariedade judicial e a segurança jurídica.
Eventual substituição dos juros de mora de 1% ao mês pela taxa SELIC, embora inicialmente vantajosa para os devedores, pode se revelar mais onerosa em contextos de alta inflação.
Reconhecer essa margem de atuação é essencial para garantir decisões mais justas e proporcionais, observando a função social da pena e a finalidade última da tutela jurisdicional.
Todavia, é imprescindível que essa liberdade seja exercida de forma fundamentada e em consonância com os princípios da razoabilidade, proporcionalidade e irretroatividade, de modo a evitar excessos e preservar a credibilidade do Poder Judiciário.
Rubens Walter Machado Filho
Advogado, administrador de empresas, diretor do IBDTrans – Instituto Brasileiro de Direito dos Transportes. CEO da MCLG Consulting & Recovery (USA). Sócio do escritório Machado e Cremoneze – Advogados Associados.