Prescrição intercorrente: Aplicação decreto 20.910 no Estado/município   Migalhas

Prescrição intercorrente: Aplicação decreto 20.910 no Estado/município – Migalhas

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Caberá ao STJ responder à seguinte pergunta: o decreto 20.910/32 (que, a grosso modo, regula a prescrição quinquenal das dívidas passivas da União, dos Estados e dos municípios, bem assim todo e qualquer direito ou ação contra a Fazenda Federal, estadual ou municipal, seja qual for a sua natureza) pode ser aplicado para reconhecer a prescrição intercorrente nos processos administrativos de Estados e municípios na falta de previsão em lei específica?

Em 18/11/24, a última instância da Justiça brasileira para causas infraconstitucionais afetou os REsp 2.002.589/PR e 2.137.071/MG como paradigmas da controvérsia repetitiva descrita no Tema 1294.

Os recursos especiais foram afetados ao rito do art. 1.036 do CPC/15, para a consolidação do entendimento da 1° Seção do STJ acerca da possibilidade de reconhecer a prescrição intercorrente nos processos administrativos estaduais ou municipais, com fundamento no decreto 20.910/32, quando não houver previsão legal específica nos Estados ou municípios.

Quando da escolha do REsp 2.002.589/PR como um dos recursos representativos da controvérsia, o STJ constatou a existência de uma multiplicidade de recursos (cerca de 5 acórdãos e 191 decisões monocráticas sobre o assunto) nos órgãos fracionários da 1° Seção e de 52 acórdãos e 2.240 decisões sobre o tema “Decreto 20.910/32, prescrição intercorrente, estadual ou municipal”.

Quando da definição do Tema 1294 a partir da controvérsia 450, o STJ fez menção a dois entendimentos – um da primeira e outro da segunda turma, ambos de 2024 – sobre a matéria afetada, a saber:

“Não se aplica o art. 1 d o decreto 20.910/1932 para a prescrição intercorrente de processo administrativo; é certo que as disposições da lei 9.873/1999, que estabelece prazos de prescrição para o exercício de ação punitiva pela administração pública federal, não são aplicáveis às ações punitivas dos estados e municípios” (AgInt no REsp 1.800.648/PR, relator Ministro Paulo Sérgio Domingues, Primeira Turma, julgado em 8/4/2024, DJe de 11/4/2024)

“1. O art. 1 do Decreto 20.910/1932 regula somente a prescrição quinquenal, não havendo previsão acerca de prescrição intercorrente, prevista apenas na lei 9.873/1999, que, conforme entendimento do Superior Tribunal de Justiça, não se aplica às ações administrativas punitivas desenvolvidas por Estados e Municípios, em virtude da limitação do âmbito espacial da lei ao plano federal. 2. Tendo em vista a ausência de previsão legal específica para o reconhecimento da prescrição administrativa intercorrente na legislação do Estado do Paraná e ante a inaplicabilidade do art. 1 do Decreto 20.910/1932 para este fim, bem como das disposições da lei 9.873/1999, deve ser afastada a prescrição da multa administrava no caso, já que, em tais situações, o STJ entende caber ‘a máxima inclusio unius alterius exclusio, isto é, o que a lei não incluiu é porque desejou excluir, não devendo o intérprete incluí-la’ (REsp 685.983/RS, Rel. Mi Castro Meira, Segunda Turma, DJ 20.6.2005, p. 228)” (AgInt no REsp 2.083.695/MG, relator Ministro Herman Benjamin, Segunda Turma, julgado em 17/6/2024, DJe de 24/6/2024)

A partir desses dois entendimentos destacados pelo próprio STJ quando da afetação dos REsp 2.002.589/PR e 2.137.071/MG ao rito do art. 1.036 do CPC/2015, imagina-se que ao “definir se, na falta de previsão em lei específica nos Estados e municípios, o decreto 20.910/1932 pode ser aplicado para reconhecer a prescrição intercorrente no processo administrativo” àquele Tribunal Superior se quedará pela impossibilidade de se reconhecer a prescrição intercorrente em processos administrativos de Estados e municípios com base no decreto 20.910/32.

Mas, seria essa a decisão mais acertada?

Não no nosso sentir.

Veja, como já destacamos no artigo “A nacionalização do processo administrativo federal1” nossos Tribunais Superiores estão nacionalizando a lei 9.784/99, seja impondo a aplicação da lei geral de processo administrativo Federal a outros entes, seja a utilizando como parâmetro interpretativo.

Na ocasião, destacamos que, desde 2009 o STJ já possuía jurisprudência firmada no sentido de que: “na ausência de lei estadual específica, pode a administração estadual rever seus próprios atos no prazo decadencial previsto na lei Federal 9.784, de 1/2/992” e que, 10 anos depois, o STJ sumulou em seu enunciado 633 o seguinte entendimento: “a lei 9.784/1999, especialmente no que diz respeito ao prazo decadencial para a revisão de atos administrativos no âmbito da Administração Pública federal, pode ser aplicada, de forma subsidiária, aos estados e municípios, se inexistente norma local e específica que regule a matéria”.

À época destacamos que a súmula 633/STJ não encerrou a aplicação da lei 9.784/99 aos entes subnacionais apenas naquilo que for pertinente à questão do prazo decadencial para revisão dos atos administrativos, haja vista o uso da expressão “especialmente no que diz respeito”, restando claro o verdadeiro parâmetro nacional ao qual a lei geral de processo administrativo Federal foi alçada.

Expusemos também que, tal qual o STJ, o STF também nacionalizou o alcance da lei 9.784/99, pois, na ADIn 6019, o nosso Tribunal Constitucional julgou procedente o pedido de declaração de inconstitucionalidade do art. 10, I, da lei 10.177/88, do Estado de São Paulo, que estabelecia o prazo decadencial de 10 anos para anulação de atos administrativos reputados inválidos pela Administração Pública estadual sob o argumento de que “os demais estados da Federação aplicam, indistintamente, o prazo quinquenal para anulação de atos administrativos de que decorram efeitos favoráveis aos administrados, seja por previsão em lei própria ou por aplicação analógica do art. 54 da lei 9.784/99” e que, nas palavras do relator: “o sistema deve fechar. Veio, no âmbito federal, a lei 9.784/99, a prever o período de 5 anos para anulação, por mão própria, de ato administrativo – art. 54 da lei 9.784/99. Surge a irrazoabilidade no que se venha a compreender que as 27 unidades da Federação podem estipular prazo decadencial individualizado”.

Encerramos o mencionado artigo fazendo menção ao RE 1.237.867/SP, no qual o STF fixou o Tema 1.097 da repercussão geral nos seguintes termos: “aos servidores públicos estaduais e municipais é aplicado, para todos os efeitos, o art. 98, § 2° e § 3°, da lei 8.112/90”, pois, em nossa opinião, ficou muito claro que a autonomia político-administrativa aos Estados-membros, Distrito Federal e municípios (que, a exemplo das regras de processo administrativo também orienta as regras sobre o regime jurídico infraconstitucional dos agentes públicos) não foi empecilho para que o Supremo entendesse que: “por analogia, aplica-se aos servidores públicos estaduais e municipais que são pais ou cuidadores legais de pessoas com deficiência o direito à jornada de trabalho reduzida, sem necessidade de compensação de horário ou redução de vencimentos, nos moldes previstos para os servidores públicos federais na lei 8.112/90”.

Ora, se há uma nacionalização da lei 9.784/99 e da lei 8.112/90, por que não pode haver uma “nacionalização” do decreto 20.910/32 para fins de aplicar a prescrição intercorrente nos processos administrativos de estados e municípios?

O problema maior não nos parece ser nacionalizar ou não o decreto 20.910/32, até porque: (i) o decreto 20.910/32 já é uma norma nacional, só que para fins processuais e tributários e (ii) como exposto, isso já foi feito com as leis Federais 9.784/99 e 8.112/90. O problema reside no fato de que, como bem observa o STJ, o decreto 20.910/32 não regula a prescrição intercorrente.

A solução seria então nacionalizar, via decisões judiciais, a lei Federal 9.873/99 – que estabelece prazos de prescrição para o exercício de ação punitiva pela Administração Pública Federal e regulamenta a prescrição intercorrente – ao invés de fazer uma construção pretoriana em prol do decreto 20.910/32?

Talvez não.

Veja, para fins de aumentar a segurança jurídica daqueles que litigam em processos administrativos estaduais e municipais, não há dúvidas que a nacionalização das regras de prescrição contidas na lei Federal 9.873/99 seria extremamente útil, pois, no cenário atual, estados e municípios valem-se da ausência (muitas vezes proposital) de lei local para advogar a inexistência de imprescritibilidade de suas pretensões, algo que finda por muitas vezes a necessidade de se demandar o Judiciário.

Mas como no Tema 1294 o STJ irá discutir a aplicação do decreto 20.910/32 e não da lei Federal 9.873/99, vale fazer referência ao voto do ministro Barroso no MS 32.201/DF, onde o STF entendeu que “à falta de norma regulamentadora, o prazo prescricional referencial em matéria de direito administrativo deve ser de cinco anos, como decorrência de um amplo conjunto de normas: Decreto 20.910/32, art. 1; CTN, arts. 168, 173 e 174; lei 6.838/1980, art. 1; lei 8.112/1990 (‘Regime jurídico dos servidores públicos civis federais’), art. 142, I; lei 8.429/1992, art. 23; lei 8.906/1994 (Estatuto da OAB), art. 43; lei 9.783/1999; lei 12.529/2011 (‘lei antitruste’), art. 46; lei 12.846/2013 (‘lei anticorrupção’), art. 25; entre outros”.

Se o decreto 20.910/32 veicula, na visão do STF, um prazo prescricional referencial em matéria de direito administrativo, não há prejuízo, mormente nas situações alcançadas pelo Tema 1294, em entender que ele também é um prazo que incide em caráter intercorrente no âmbito dos processos administrativos.

Ora, se não é razoável se instaurar, no âmbito do direito administrativo sancionador, um processo administrativo para apurar uma infração administrativa ocorrida há mais de 5 anos, também não é razoável que um processo administrativo punitivo, instaurado para aplicar uma penalidade, fique sem tramitação por 5 anos (e aqui lembremos que a lei Federal 9.873/99 estabelece como trienal a prescrição intercorrente).

E veja, na ausência de determinada lei específica, o STJ tem utilizado o decreto 20.910/32, conforme se extraem dos recursos repetitivos dos temas 244 e 146:

“O prazo prescricional, para a cobrança da taxa de ocupação de terrenos de marinha, é de cinco anos, independentemente do período considerado, uma vez que os débitos posteriores a 1998, se submetem ao prazo quinquenal, à luz do que dispõe a lei 9.636/98, e os anteriores à citada lei, em face da ausência de previsão normativa específica, se subsumem ao prazo encartado no art. 1 do Decreto-lei 20.910/1932. Precedentes do STJ: AgRg no REsp 944.126/RS, Rel. Ministro HERMAN BENJAMIN, SEGUNDA TURMA, DJe 22/02/2010; AgRg no REsp 1035822/RS, Rel. Ministro HUMBERTO MARTINS, SEGUNDA TURMA, DJe 18/02/2010; REsp 1044105/PE, Rel. Ministra ELIANA CALMON, SEGUNDA TURMA, DJe 14/09/2009; REsp 1063274/PE, Rel. Ministro CASTRO MEIRA, SEGUNDA TURMA, DJe 04/08/2009; EREsp 961064/CE, Rel. Ministro TEORI ALBINO ZAVASCKI, Rel. p/ Acórdão Ministro CASTRO MEIRA, PRIMEIRA SEÇÃO, DJe 31/08/2009” (REsp 1.133.696/PE, relator Ministro Luiz Fux, Primeira Seção, julgado em 13/12/2010, DJe de 17/12/2010)

“A jurisprudência desta Corte tem reconhecido que é de cinco anos o prazo para a cobrança da multa aplicada ante infração administrativa ao meio ambiente, nos termos do Decreto 20.910/32, o qual que deve ser aplicado por isonomia, à falta de regra específica para regular esse prazo prescricional” (REsp 1.112.577/SP, relator Ministro Castro Meira, Primeira Seção, julgado em 9/12/2009, DJe de 8/2/2010)

Mesmo que nos casos acima o decreto 20.910/32 não tenha sido usado para tutelar a prescrição intercorrente, nada impede que ele venha a sê-lo, pois repita-se, se é irrazoável se instaurar um processo administrativo repressivo após o transcurso de 5 anos da ocorrência da conduta irregular/ilegal, é igualmente irrazoável que um processo fique mais de um quinquênio pendente de movimentação ou decisão.

Assim, caso o STJ opte por permitir que o decreto 20.910/32 passe a ser utilizado, na falta de lei específica, como veículo para aplicação da prescrição intercorrente em processos administrativos de estados e municípios, ele estará sendo coerente com o tratamento conferido, seja por ele próprio, ou pelo STF, a outras normas federais, pois, tal como ocorreu com relação às leis Federais 9.784/99 e 8.112/90, o seu emprego incrementa a segurança jurídica no âmbito dos processos administrativos estaduais e municipais.

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1 Publicado na Revista Síntese de Direito Administrativo da IOB, n 216, Dezembro de 2023.

2 RESP 200703082539 (10190120, Relator(a) Jorge Mussi, Órgão julgador: Quinta Turma, Fonte DJE data:03/08/2009)

Aldem Johnston Barbosa Araújo

Aldem Johnston Barbosa Araújo

Advogado em Mello Pimentel Advocacia. Membro da Comissão de Direito Administrativo da OAB/PE. Especialista em Direito Público.

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