Arbitramento da pensão alimentícia visando criança autista   Migalhas

Arbitramento da pensão alimentícia visando criança autista – Migalhas

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Ouve-se dizer que o capacitismo não existe. Mas os mitos e desinformação sobre o autismo ainda persistem em nossa sociedade. Prova disso é a fala do nosso ministro do STJ, Antonio Saldanha que falou sobre a judicialização de casos de tratamento de crianças com TEA – Transtorno do Espectro Autista em evento na capital paulista no dia 22/11/24.

Baseado na publicação recente do CDC, os Centros de Controle e Prevenção de Doenças (em inglês: Centers for Disease Control and Prevention – CDC) é uma agência do Departamento de Saúde e Serviços Humanos dos Estados Unidos, sediada no condado de DeKalb, Geórgia, Estados Unidos, adjacente ao campus da Emory University e a leste da cidade de Atlanta, ressalta que a prevalência do TEA – Transtorno do Espectro Autista, foram apresentados dados onde demonstram que 1 a cada 36 pessoas tem autismo.

Autismo é um transtorno do neurodesenvolvimento que tem como característica déficits precoces na comunicação e na interação social, e também interesses e comportamentos restritos e repetitivos (dsm 5).

Também é comum vir associado com problemas motores (passa a cair, não sobe escadas, dificuldade no equilíbrio), sensoriais (passa a ter aversão a texturas, ou incômodo com sons, temperatura, seletividade alimentar extrema), onde a criança passa a se alimentar com menos de 10 alimentos excluindo categorias inteiras de alimentos), com questões comportamentais (crises de birra, irritabilidade) e distúrbios do sono (passa a dormir mal), por isso a importância de avaliação de um equipe multidisciplinar.

A lei Berenice Piana é como é conhecida a lei 12.764, de 2012, que institui os direitos dos autistas e suas famílias em diversas esferas sociais. Por meio desta legislação, pessoas no espectro são consideradas pessoas com deficiência para todos os efeitos legais e, portanto, têm os mesmos direitos assegurados. Por meio da legislação, ainda é assegurado o acesso a ações e serviços de saúde, como: diagnóstico precoce, atendimento multidisciplinar, medicamentos e informações que auxiliem no diagnóstico e intervenções.

Diante de tudo apresentado acima, é sabido que: o plano de saúde deve fornecer o tratamento prescrito pelo médico assistente, incluindo métodos (resolução normativa da ANS 539 de 2022) e a lei do rol exemplificativo 14.454 de 2022.

Em muitas das vezes a criança só tem acesso ao tratamento por meio de uma decisão judicial. Como a decisão da ministra Nancy Andrighi da 3° turma em 11/6/24 no REsp. 2.061.135/SP: “As terapias multidisciplinares prescritas por médico assistente para o tratamento de beneficiário de plano de saúde, executadas por profissionais habilitados, devem ser cobertas pela operadora, sem limites de sessões”.

Incluindo nesse cenário a: “equoterapia, musicoterapia e psicopedagogia, são de coberturas obrigatórias pelas operadoras de saúde para os beneficiários com transtorno globais do desenvolvimento dentre eles o transtorno do espectro autista”, processo segredo de justiça, relatora ministra Nancy Andrighi, 3° turma, por unanimidade, julgado em 20/2/24.

Entretanto, o que estamos vendo acontecer pelo Brasil a fora e em muitos casos quando o autismo chega na família, o pai abandona a mãe e a criança. A luta da mãe atípica é marcada pelo abandono paterno, a rejeição e a sobrecarga emocional, uma vez que muitas não têm rede de apoio.

Muitos pais não aceitam a perda do “filho ideal” e abandonam a suas famílias, por isso a importância de um advogado especialista para compreender todas as nuances dessa que essa mãe enfrenta. E em muitos dos casos as mães ficam sem condições de acesso à justiça para garantir o tratamento médico do seu filho amparado pela CF no seu art. 196, CF/88.

Mas é os pais neste contexto, já abandonam e não convivem com o filho autista. Eles pagam pensão?

E quando tratamos de vara de família por esse Brasil afora encontramos muitas decisões que não compreendem de fato a necessidade dessa mãe e dessa criança autista.

E cabe ao advogado especialista elucidar todas as representações sociais que estão dentro dessa temática. De um lado temos um pai que opta por não ser pai sendo compreendido pela sociedade e de outro lado temos uma mãe esquecida pela sociedade. E no meio está uma criança com uma condição e em muitos dos casos com várias comorbidades associadas, com a deficiência intelectual, a epilepsia entre outras.

Certo é que as pensões alimentícias em 30% do salário mínimo nos termos em que se encontram por esse país afora coloca em risco a integridade física e psicológica da criança autista, pois a genitora não terá condições de custear as despesas do filho em comum sozinha para todo sempre, e são despesas necessárias ao pleno desenvolvimento da criança autista, conforme comprovadas através dos documentos, com laudos médicos e avaliações dos outros profissionais da equipe multidisciplinar.

A criança autista simplesmente não pode esperar, pela boa vontade do seu genitor, mas pode esperar pela cooperação do poder judiciário nesse contexto, de modo que a ausência de pensão, ou a pensão fixada em valor inadequado pode comprometer o seu desenvolvimento e a sua vida por completo.

Diante do abandono reiterado do genitor. Sabe-se que a dedicação de apenas uma família na criação do filho de apenas um dos genitores – em geral, a mulher- abre mão de oportunidades profissionais ou adia os seus projetos pessoais, o que dificulta a posterior inserção no mercado de trabalho ou de exercício de atividades em geral econômicas.

O Tribunal de Justiça de São Paulo já reconheceu a ausência paterna. E consequente sobrecarga materna no tocante aos cuidados dos filhos devem ser considerados no cálculo da pensão alimentícia (TJSP AC: 1002401702201982602130/05/2023).

O próprio Tribunal de Justiça de Goiás também já reconheceu o valor econômico do trabalho de cuidado materno em ações de alimentos, mencionando sua invisibilidade (agravo de instrumento 5498655.30.2020.8.09.0000 25.01.21).

O impacto do autismo na vida de qualquer criança sem o tratamento adequado, pode comprometer a vida dessa criança para sempre.

O transtorno do neurodesenvolvimento é um grupo de transtorno neuro psiquiátrico que compromete a criança desde o princípio da sua vida. Os primeiros 02 e 03 anos de vida e quando a imensa maioria das habilidades cognitivas complexas começam a ser instaladas com a fala, comunicação e a linguagem.

Quando utilizamos o termo transtorno do neurodesenvolvimento, estamos nos referindo a uma alteração que ocorre nesse começo da vida que envolve problemas de aquisição e problemas na retenção na utilização dessas habilidades, das funções executivas, ou seja, o transtorno neurodesenvolvimento.

Tal transtorno TEA compromete o aprendizado de habilidades cognitivas simples e complexas. Afeta por exemplo as funções executivas: atenção, memória de trabalho, controle inibitório, ideação, planificação, flexibilização, cognição, tomada de decisão, execução. O lobo frontal onde prejudica a questão dos julgamentos e das áreas associativas. Afeta também a fala de expressão da área de Boca e ainda a fala de recepção da área de Wernicke (áreas do Córtex cerebral).

Afeta ainda as área de sensações: táteis; de dor; vibração, posicionamento do olhar; Afeta também a visão na área 17 de brodmann, importante área que auxilia na intervenção da ABA, por que essa área na pessoa neuro diversa e mais desenvolvida que as pessoas típicas. E por fim, afetando também, o cerebelo, que é responsável pelo equilíbrio, controle motor, propriocepção, atenção e concentração e na fala (sentido de verbos).

É preciso aproveitar as janelas de oportunidades até os 07 anos, que é o espaço sensível de tempo que uma determinada pessoa tem para aprender novas habilidades. No caso de uma criança a sua janela de oportunidade e aprendizagem para a fala e fluência da fala e até os 07 anos de idade. 

Esse é o período de tempo em que uma habilidade é facilmente adquirida. E o período de tempo em que acontece uma maior neuro plasticidade neuronal e por isso a importância da pensão alimentícia adequada às particularidades de cada criança.

Uma vez que não só o trabalho invisível da mãe, mas os gastos com o tratamento médico devem estar incluídos para o arbitramento da pensão alimentícia.

O melhor interesse da criança ou o “best interest of the child”, recepcionado pela Convenção Internacional de Haia. O princípio do melhor interesse da criança e do adolescente está previsto no art. 227 da CF e no art. 3° do Estatuto da Criança e do Adolescente, cuja finalidade é a de proteger de forma integral e com absoluta prioridade seus direitos fundamentais.

Indo além, de acordo com o protocolo para julgamento para perspectiva de gênero do CNJ (2021): “O alimentante que dispõe de recursos econômicos por vezes adota subterfúgios para não pagar a verba alimentar, retém e se apropria de valores destinados à subsistência dos alimentados, pratica violência psicológica, moral e patrimonial contra a mãe dos seus filhos, em vulnerabilidade”.

Neste sentido, o CNJ reconheceu ainda em 2021 que omitir bensrenda para não pagar valor devido de alimentos configura de fato violência patrimonial e todas as decisões que versam sobre alimentos devem estar amparada pelo protocolo do CNJ.

Soraya Junqueira

Soraya Junqueira

Advogada para mulheres no Direito da Saúde, com especialização em Execução Cível. Membro da ABA Comissão Nacional dos Direitos dos Autistas – CNDA. CEO da Advocacia Junqueira

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