Deserdação de filhos no Direito brasileiro: O caso Cid Moreira   Migalhas

Deserdação de filhos no Direito brasileiro: O caso Cid Moreira – Migalhas

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O recente noticiário sobre o testamento de Cid Moreira, famoso jornalista e apresentador, trouxe à tona uma questão de grande relevância no Direito das Sucessões: a deserdação de herdeiros necessários.

O caso chamou a atenção pelo fato de Moreira ter deserdado seus filhos , privando-os de participar da partilha de um patrimônio avaliado em cerca de R$ 60 milhões. Diante desse fato, surge a pergunta: em quais situações a legislação brasileira permite a deserdação de um filho?

O CC Brasileiro estabelece condições específicas para que essa medida, considerada extrema, possa ser tomada. Neste artigo, analisaremos o caso sob a ótica da legislação vigente, explorando os fundamentos legais e as consequências jurídicas da deserdação.

O que é deserdação?

A deserdação é a exclusão de um herdeiro necessário da sucessão, prevista nos artigos 1.814 a 1.818 do CC brasileiro. O herdeiro necessário, conforme o art. 1.845, é aquele que, por disposição legal, tem direito a uma parte mínima da herança, como descendentes, ascendentes e o cônjuge. No entanto, a lei abre exceção para a deserdação, que só pode ocorrer em situações previstas expressamente e que são consideradas graves.

Causas de deserdação previstas no CC

De acordo com o art. 1.962 do CC, um descendente pode ser deserdado se cometer atos considerados ofensivos ou indignos, como:

  • Ofensa física contra o ascendente;
  • Injúria grave, que é o uso de palavras ou gestos que ofendem gravemente a honra do ascendente;
  • Relações ilícitas com a madrasta ou o padrasto;
  • Abandono material ou afetivo, ou seja, deixar o ascendente desamparado em situação de necessidade.

Essas são causas taxativas, o que significa que não podem ser ampliadas por vontade do testador. Portanto, é imprescindível que o ato de deserdação seja motivado por uma dessas causas, devidamente especificada e comprovada em um testamento, sob pena de ser considerada nula.

O Procedimento de deserdação

A deserdação deve ser realizada por meio de testamento, no qual o pai ou a mãe expõe a causa justa para a exclusão do herdeiro. No entanto, mesmo após a morte do testador, a medida pode ser questionada no Judiciário, como prevê o art. 1.965 do CC.

Assim, um filho deserdado pode intentar uma ação judicial para anular a cláusula testamentária que o excluiu, caso acredite que a causa alegada não é verdadeira ou justa. Nesses casos, o beneficiário da deserdação precisa comprovar a veracidade dos fatos que motivaram a exclusão. O prazo para o filho contestar a deserdação é de quatro anos, contados a partir da abertura do testamento.

O impacto emocional e familiar da deserdação

Além das implicações legais, a deserdação costuma causar grandes repercussões emocionais e familiares. Muitas vezes, a exclusão de herdeiros necessários reflete conflitos profundos e prolongados no núcleo familiar.

No caso de Cid Moreira, que já protagonizou disputas públicas com seus filhos, a decisão de deserdá-los, embora amparada juridicamente, também expõe um drama familiar que extrapola os tribunais.

O Caso Cid Moreira e a Validade da Deserdação

No caso específico de Cid Moreira, a decisão de deserdar os filhos parece estar atrelada a um histórico de desavenças familiares que vieram à tona em diversas ocasiões públicas. Segundo relatos, os filhos de Cid já haviam movido ações judiciais contra o pai, acusando sua esposa de alienação parental e de manipular o jornalista em seu estado de saúde avançado. Essas tensões familiares levantam a hipótese de que o testamento e a deserdação tenham sido influenciados por questões emocionais e conflitos prolongados, o que acrescenta uma camada de complexidade ao caso. Para além da simples exclusão dos filhos do patrimônio, a deserdação pode ser interpretada como uma medida simbólica e punitiva, refletindo um rompimento profundo entre pai e filhos.

Nesse contexto, alguns pontos devem ser observados:

  • Testamento: O testador deve indicar expressamente a causa da deserdação em seu testamento, conforme o art. 1.964 do CC. A ausência de causa legítima pode ser motivo para impugnação.
  • Análise Judicial das motivações para a deserdação: No processo seria feita uma análise detalhada dos fatos que fundamentaram a decisão do jornalista de deserdar os seus filhos, como possíveis agressões físicas, injúrias graves, ou abandono emocional e material. Nessa disputa, os filhos buscarão demonstrar a inexistência de motivos justificáveis para o ato; já a viúva, única beneficiada pelo testamento, precisará provar que a deserdação foi legitimamente fundamentada, seguindo o rigor exigido pelo CC brasileiro para o caso.
  • Efeitos Patrimoniais: Caso a deserdação seja confirmada judicialmente, os filhos deserdados perderão definitivamente o direito à legítima.

Neste caso em específico, o valor substancial da herança, estimado em R$ 60 milhões, eleva a importância jurídica e patrimonial do caso, tornando provável que a decisão de Cid Moreira seja contestada judicialmente. Uma questão que surge, portanto, é a necessidade de comprovar judicialmente a veracidade das causas alegadas para a deserdação.

Considerando que os filhos realizaram a abertura do inventário no mesmo dia do falecimento do jornalista , o processo se torna ainda mais complexo. Essa atitude sugere uma ação rápida para garantir seus direitos sucessórios, mesmo diante da deserdação estabelecida no testamento. Em situações como essa, onde haverá a contestação da validade de uma cláusula testamentária, como a deserdação, o inventário pode seguir seu curso regular, mas com certas limitações. Os filhos, ao contestarem o testamento, provavelmente pedirão que a parte da herança que lhes for correspondente seja reservada até que uma decisão judicial definitiva sobre a validade da deserdação seja proferida.

O juiz que conduz o inventário pode determinar que, enquanto o litígio sobre a exclusão dos filhos da sucessão não for resolvido, a administração do espólio continue, mas com a suspensão da partilha dos bens que lhes seriam devidos. Isso significa que, embora o inventário tenha sido iniciado rapidamente, a discussão sobre a deserdação pode retardar a distribuição efetiva dos bens entre os herdeiros. Se, ao final da disputa judicial, for decidido que a deserdação é inválida, os filhos poderão receber sua parte, modificando o plano de partilha. Caso a deserdação seja mantida, os filhos serão definitivamente excluídos da herança, e os bens reservados serão destinados conforme o estipulado no testamento de Cid Moreira.

Conclusão

A possibilidade de deserdação de filhos no Brasil é prevista pela legislação, mas somente em situações excepcionais que envolvem condutas graves, como ofensa física ou abandono. O caso de Cid Moreira chama a atenção pela magnitude da herança e pela notoriedade do jornalista, mas também serve de exemplo das complexidades envolvidas em decisões de tal natureza.

Os filhos deserdados, assim como qualquer outro herdeiro necessário, possuem o direito de contestar a decisão judicialmente, o que pode resultar em um longo processo até que a questão seja definitivamente resolvida. Para que a deserdação seja mantida, é essencial que a causa alegada seja comprovada e considerada justa pelos tribunais.

Dessa forma, o caso de Cid Moreira nos leva a refletir sobre a importância de que decisões extremas como a deserdação sejam tomadas com cautela, baseadas em motivos claros e justificados, sempre respeitando os direitos e as garantias legais dos herdeiros necessários.

Evilasio Tenorio

Evilasio Tenorio

Advogado especialista em Direito da Saúde e Direito Civil. Titular do TSA – Tenorio da Silva Advocacia, escritório considerado referência nacional na defesa dos usuários de planos de saúde e do SUS.

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