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A regularização de ativos financeiros mantidos no exterior é uma questão de extrema relevância no cenário jurídico e financeiro brasileiro, especialmente considerando o contexto de compliance internacional.
Com o crescente intercâmbio financeiro entre países e as constantes mudanças regulatórias, tanto no Brasil quanto em jurisdições estrangeiras, o processo de regularização exige não apenas um profundo conhecimento das legislações envolvidas, mas também uma estratégia jurídica bem definida para evitar riscos legais, fiscais e reputacionais.
O cenário jurídico internacional e brasileiro:
A legislação brasileira, com destaque para a lei 13.254/16, conhecida como o RERCT – Regime Especial de Regularização Cambial e Tributária, estabeleceu parâmetros para a regularização de recursos, bens e direitos mantidos no exterior que não foram devidamente declarados à Receita Federal.
Esse regime permitiu, em determinado período, a regularização mediante pagamento de imposto e multa, além de garantir a extinção de punibilidade de crimes relacionados ao patrimônio não declarado.
Contudo, a compatibilização dessa legislação com as normas de jurisdições estrangeiras, onde os ativos estão alocados, é um dos principais desafios.
Países como Estados Unidos, Suíça e as Ilhas Virgens Britânicas (BVI) possuem legislações próprias sobre a repatriação e a regularização de valores, que podem entrar em conflito ou exigir requisitos adicionais em relação às normas brasileiras.
Exemplos de compatibilização legislativa:
Estados Unidos: a legislação norte-americana é especialmente rigorosa no que diz respeito à conformidade fiscal e à regularização de ativos financeiros. O FATCA – Foreign Account Tax Compliance Act impõe uma série de obrigações de reporte para instituições financeiras e indivíduos estrangeiros que possuem ativos nos Estados Unidos. No processo de regularização no Brasil, é necessário considerar as obrigações impostas pelo FATCA para evitar penalidades como multas significativas ou até o bloqueio de contas bancárias. Além disso, a legislação dos EUA exige que os proprietários de ativos declarem seus valores de maneira detalhada, o que pode gerar complicações na tentativa de harmonização com as regras brasileiras, especialmente em casos de trustes ou estruturas societárias mais complexas.
Ilhas Virgens Britânicas (BVI): as BVI são conhecidas por sua flexibilidade na estruturação de empresas e fundos de investimento, atraindo muitos brasileiros que buscam discrição e eficiência fiscal. No entanto, a regularização desses ativos no Brasil envolve desafios específicos, como o atendimento às regras locais de substance que as BVI passaram a adotar para atender aos requisitos de transparência internacional. Além disso, há questões relacionadas ao cumprimento de normas de lavagem de dinheiro e ao Economic Substance Act, que exigem a demonstração de atividades econômicas reais nas ilhas. Para compatibilizar a regularização desses ativos com a legislação brasileira, é essencial compreender como essas normas interagem com os requisitos do RERCT e as obrigações fiscais brasileiras.
Suíça: a Suíça, tradicionalmente reconhecida como um dos principais centros financeiros globais, passou por mudanças significativas em suas políticas de transparência nas últimas décadas. Hoje, os bancos suíços seguem rigorosos protocolos de compliance e relatórios financeiros, em conformidade com o CRS – Common Reporting Standard. Para brasileiros com contas e investimentos na Suíça, o processo de regularização requer a apresentação de documentação detalhada, que comprove a origem lícita dos recursos e a conformidade com as leis suíças contra a lavagem de dinheiro. A interação entre essas exigências e o RERCT no Brasil é complexa, especialmente quando há trusts ou fundações envolvidas, que exigem uma análise minuciosa para evitar riscos legais e fiscais em ambas as jurisdições.
Panamá: o Panamá tem uma longa tradição de sigilo bancário e facilidade na criação de estruturas societárias complexas, o que atraiu um número significativo de investidores estrangeiros ao longo das décadas. No entanto, a pressão internacional por maior transparência, especialmente após os escândalos dos “Panama Papers” em 2016, levou o país a adotar medidas mais rigorosas de compliance e troca de informações financeiras. Além disso, o Panamá também aderiu ao CRS da OCDE, comprometendo-se a compartilhar informações financeiras com outras jurisdições, incluindo o Brasil. Isso significa que, para brasileiros com ativos não declarados no Panamá, a regularização se torna crucial para evitar sanções legais e fiscais. A compatibilização das exigências panamenhas com a legislação brasileira, especialmente no que diz respeito a RERCT, exige uma análise detalhada das obrigações de reporte e da conformidade com os tratados internacionais de troca de informações. No Panamá, assim como em outras jurisdições estrangeiras, é comum o uso de empresas offshore e trusts para fins de planejamento patrimonial e proteção de ativos. No entanto, para a regularização desses ativos no Brasil, é fundamental considerar como essas estruturas se alinham com as obrigações fiscais e legais brasileiras. Por exemplo, trusts criados no Panamá devem ser avaliados quanto à sua conformidade com as normas brasileiras de transparência e reporte, além de considerar os impactos tributários no momento da repatriação dos ativos e, apesar de não ser tão rigoroso quanto outras jurisdições, o Panamá tem adotado normas que exigem um nível mínimo de substância econômica para as empresas registradas no país. Isso implica que, na regularização, deve-se verificar se as atividades econômicas realizadas pela entidade no Panamá atendem aos requisitos de substância tanto panamenhos quanto brasileiros, a fim de evitar penalidades.
Bahamas: as Bahamas são amplamente conhecidas como um centro financeiro offshore, oferecendo grande flexibilidade na criação e gestão de empresas e fundos de investimento. Essa jurisdição também é atraente devido à sua política de isenção de impostos sobre rendimentos, dividendos e ganhos de capital para empresas não residentes. No entanto, essa mesma flexibilidade pode trazer complicações no processo de regularização no Brasil, o que impõe acompanhamento jurídico especializado na matéria. Assim como o Panamá, as Bahamas têm se adaptado às crescentes demandas internacionais por maior transparência, tendo, igualmente, aderido ao CRS. Isso implica que as autoridades fiscais brasileiras podem acessar informações sobre ativos financeiros mantidos por brasileiros nas Bahamas. A regularização desses ativos, portanto, exige uma atenção particular à conformidade com as exigências de reporte tanto das Bahamas quanto do Brasil, especialmente para evitar a dupla tributação ou sanções por omissão de informações. Recentemente, as Bahamas implementaram o ESR – Economic Substance Requirements, exigindo que as empresas realizem atividades econômicas substanciais no país para manter seu status fiscal vantajoso. Isso representa um desafio adicional para a regularização no Brasil, pois é necessário demonstrar que a entidade realmente realiza atividades econômicas nas Bahamas e não é apenas uma estrutura de fachada. A falta de substância pode levar à reclassificação da empresa como residente fiscal no Brasil, com consequente tributação dos lucros gerados. As Bahamas são um destino popular para a criação de fundos de investimento e trusts, utilizados como veículos de proteção patrimonial. No entanto, para regularizar esses ativos no Brasil, é essencial que os proprietários brasileiros avaliem como essas estruturas são vistas pela Receita Federal, especialmente em relação à origem dos recursos e à legalidade das operações realizadas. A documentação detalhada e a prova de conformidade com as leis de combate à lavagem de dinheiro são fundamentais para evitar problemas legais e fiscais no processo de regularização.
A necessidade de acompanhamento jurídico especializado:
A regularização de ativos financeiros no exterior demanda, invariavelmente, um acompanhamento jurídico especializado.
A complexidade desse processo envolve o entendimento de temas como tratados internacionais para evitar a dupla tributação, acordos de troca automática de informações (como o CRS), além das próprias peculiaridades de cada jurisdição.
No caso dos Estados Unidos, por exemplo, além das obrigações decorrentes do FATCA, pode ser necessário lidar com estruturas complexas, como trusts e sociedades de responsabilidade limitada (LLCs), que exigem atenção redobrada para assegurar que todos os aspectos legais estejam devidamente regularizados.
Nas Ilhas Virgens Britânicas, um erro comum é ignorar a necessidade de comprovar substance, o que pode gerar complicações tanto na regularização no Brasil quanto na manutenção das estruturas internacionais.
Um acompanhamento contínuo e especializado por advogados com expertise em direito internacional, planejamento tributário e compliance é essencial para evitar riscos de penalidades tanto no Brasil quanto no exterior.
A harmonização entre diferentes legislações e a adequação às novas exigências normativas são aspectos cruciais para uma regularização bem-sucedida.
A regularização de ativos financeiros no exterior vai além de uma simples declaração à Receita Federal. Trata-se de um processo sofisticado, que exige a harmonização de legislações distintas e a elaboração de uma estratégia jurídica robusta e personalizada.
Edgard Hermelino Leite Junior
Sócio do escritório Edgard Leite Advogados Associados.
Edgard Leite Advogados Associados
Gabriel Santiago Haramoto
Advogado no Edgard Leite Advogados Associados. Pós-graduado em Ciência Política pela Fundação Escola de Sociologia e Política de São Paulo – FESP/SP (2020). Graduado em Direito pela Universidade Federal de Lavras – UFLA (2017). Advogado inscrito na OAB, Seção São Paulo.
Edgard Leite Advogados Associados