A Função Social do Contrato no novo Código Civil   Migalhas

A Função Social do Contrato no novo Código Civil – Migalhas

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A Função Social do Contrato no Novo Código Civil

 

Derrocada da Lei Escrita? “Common Law” Guarani?

 

Antonio Carlos Rocha da Silva*

 

O novo Código Civil Brasileiro, com suas inovações que visam dar guarida à jurisprudência nem sempre dominante em nossos tribunais, entra em vigor em momento de conturbadas marés internacionais: queda de preço das ações em Bolsas, fraudes em balanços de mastodontes multinacionais, ventos da guerra próxima, investidores que se julgavam experientes, escondendo o dinheiro em baixo dos colchões do primeiro mundo.

 

A jurisprudência dita “social” a que a recém nascida codificação parece dar foros de legalidade conforme alguns interpretes apressados, é aquela nascida nos pampas sulinos e que segue galopando pelo tribunais de outros estados, chegando às cortes de Brasília ao som de um berrante triunfal.

 

Pouco a pouco, lentamente – a agilidade e o galope do cavalo foi só metáfora mal escolhida -, as decisões baseadas numa interpretação social vêm formando um compêndio de direito novo, à margem do que dispõe as normas legais, cujos traços comuns e característicos são a imprevisibilidade e a relevância dada aos interesses da parte economicamente mais fraca. Os cultores dessa doutrina, que a julgam eivada de modernismo contemporâneo não se dão conta do quanto ela se reveste de resignação estóica à perene falta de cultura dos cidadãos considerados como de segunda classe, como párias que merecem uma proteção especial dos magistrados.

 

imagem08-05-2022-05-05-23Baseando-se neste preconceito, repartem as perdas da elevação do custo do dólar no “leasing” de automóveis, ignorando-se a legislação especial e a regulamentação do Conselho Monetário Nacional que obriga as empresas arrendadoras a repassar aos arrendatários o ônus da variação da moeda estrangeira quando captaram recursos no exterior para fundear suas operações. Como justificativa, o fim social do direito e a teoria da imprevisão do aumento acelerado da cotação da moeda estadunidense. Como se o homem probo, de boa fé e cultura mediana, não devesse avaliar os riscos de um financiamento ou de uma aplicação em dólar. Como se as cotações de uma ação, de uma mercadoria, e da principal delas, a moeda fosse imutável. Como se todos os contratos não sofressem o impacto dos constantes fluxos e refluxos da economia. Como se direito houvera que social não fora! (Crítica de mestre Ráo à teoria da hipossuficiência do Prof. Cesarino Junior, pilar da sua obra Direito Social, para justificar a proteção do empregado contra a sanha do patrão – Folclore da São Francisco)

 

Transposto e adaptado o conceito para o Direito civil, a lei – no Código do Consumidor – e a jurisprudência social, criam mais uma categoria de relativamente incapazes que merecem revisão contratual protetora. Bancos são impedidos de cobrar juros calculados exponencialmente nos seus créditos enquanto os pagam dessa forma nos seus títulos de captação de recursos, ou seja, quando tomam dinheiro emprestado. Há de se aplicar a lei de proteção ao hipossuficiente, sem a percepção de que se a regra fosse cumprida em todos os empréstimos feitos pelas instituições financeiras isto as levaria à bancarrota, prejudicando os depositantes de parcas economias. No entanto, a taxa referencial de juros, simplesmente chamada de TR, calculada e divulgada pelo Banco Central do Brasil, baseada numa formula de cálculo exponencial, é considerada válida pelo Supremo Tribunal Federal para os financiamentos imobiliários; e também para remunerar a caderneta de poupança. Ora, o fim social dos contratos justifica a incoerência das decisões.

 

Ainda, com base nesse fim social , uma empresa de aviação inadimplente com os aluguéis devidos à uma empresa de “leasing” foi autorizada por uma Câmara do Tribunal de Justiça de São Paulo (os ventos sulinos aqui sibilaram) a não ser desapossada das aeronaves porque se assim o fora, haveria prejuízos sociais a trabalhadores dispensados. A letra da legislação sobre locação e a do Código de Processo Civil a respeito dos procedimentos para reintegração de posse deve ter sido apagada pelas chuvas torrenciais que de quando em quando assolam a Capital. Proteja-se a nossa combalida aviação comercial das garras afiadas dos seus credores!.

 

Erga-se o escudo da Justiça como anteparo ao consumismo irresponsável ou à má gestão das finanças pessoais, das empresas ou do poder regulatório governamental.

 

O infeliz jovem estava infectado pelo vírus da AIDS ou sofria de um câncer pré existente? Estas situações haviam sido explicitamente excluídas da cobertura do seguro saúde? Condene-se a seguradora a pagar-lhe o tratamento no mais conceituado hospital. Afinal de contas, o contrato não tem uma função social? O governo e os hospitais públicos agradecem, pois seus cofres também estão doentes de tanto atender aos fins sociais.

 

O tempo passa e a lição dos antigos mestres é esquecida pela civilização ocidental.

 

Vicente Ráo, um dos luminares do nosso direito – na época em que esse encômio exigia uma profunda cultura geral e jurídica – meados do imagem08-05-2022-05-05-24século passado, lecionava: “Assume, assim, o direito o caráter de força social propulsora, quando visa proporcionar, por via principal aos indivíduos e por via de conseqüência à sociedade, o meio favorável ao aperfeiçoamento e ao progresso da humanidade. Assim entendido, o direito, essencialmente decorrente da natureza humana, é uma força social em sua origem, em sua essência e em sua finalidade.” Num parágrafo anterior o mestre concluía: “Constitui pois o direito, o fundamento da ordem social.” (O Direito e a Vida dos Direitos, 1952,, Max Limonad, Tomo I, págs.40 e 42)

 

Essa lição dos anos 50, que em nossa terra guarani fundamentou legislação e jurisprudência de períodos posteriores, não está sendo seguida pela geração atual dos cultores do direito social, trabalhista ou civil. Ao dizer que o contrato tem função social, o Código Civil não deu liberdade ao Judiciário de invadir a competência do Poder Legislativo – o que violaria normas constitucionais – mas apenas, deu-se relevância à boa fé objetiva, à lealdade e à transparência exigidas do homem probo e de moral ilibada quando da construção do negócio jurídico contratual.

 

Não pensam assim os magistrados que distorcem a interpretação da norma , ignoram a intenção do legislador e criam a sua própria lei para regular, segundo luzes do seu próprio entendimento, as relações jurídicas submetidas ao seu particular império. Deliberadamente ignoram que não é da tradição do nosso direito a jurisprudência criadora de normas que se explicitam pela repetição das sentenças judiciais sobre o mesmo caso concreto, a “common law” dos Estados Unidos da América. Mesmo lá, existem leis declaradas, escritas. Nesses casos, nelas se fundamentam as decisões do Judiciário.

 

Já neste país emergente, culturalmente influenciado pela filmografia norte-americana, as sentenças que levam em conta quem é o “bandido” e quem é o “mocinho” – como se estes preconceitos fossem de cunho social – dadas ao arrepio de leis imperativas, especialmente as destinadas à organização das relações econômicas, criam instabilidade e insegurança na ordem social, provocam o aumento defensivo das taxas de juros pelos que dispõe de capital(no País e no exterior) para emprestar ou investir em atividades geradoras de empregos. Não havendo bases jurídicas e econômicas estáveis, como na conjuntura atual, o horror ao risco se instala na mente dos investidores. O governo aumenta os juros dos títulos públicos e da economia em geral para atrair os gananciosos e manter um mínimo de atividade empreendedora. A dívida pública cresce, absorvendo recursos que seriam destinados à saúde e à educação.

 

Quem sofre mais? Os “bandidos” detentores do capital monetário, ou os “mocinhos” hipossuficientes?

 

A instabilidade econômica mundial não nos é possível resolver. No entanto, uma solução para a morosidade e a imprevisibilidade das decisões judiciais está ao alcance do esforço e da força social propulsora de todos os que labutam sob a balança da Justiça.

 

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*especialista em Direito Econômico, sócio do escritório Felsberg, Pedretti, Mannrich, Aidar e Associados.

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Atualizado em: 1/4/2003 11:49

Antonio Carlos Rocha da Silva

Antonio Carlos Rocha da Silva

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