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Recentemente, diversas corporações estadunidenses, como Meta, McDonald’s e Walmart, anunciaram a redução ou eliminação de suas iniciativas de diversidade, equidade e inclusão1. Essa mudança pode ser atribuída, em grande medida, ao avanço da extrema-direita, com destaque para a recente vitória eleitoral de Donald Trump. Contudo, essas alterações podem resultar em consequências legais significativas, na medida em que políticas de igualdade e não discriminação não são meras prerrogativas ou discricionariedades corporativas, mas obrigações legais que decorrem de normas nacionais e internacionais de direitos humanos.
A ONU – Organização das Nações Unidas, por meio dos Princípios Orientadores sobre Empresas e Direitos Humanos, por exemplo, estabelece que as corporações devem adotar medidas preventivas para evitar violações e garantir ambientes de trabalho livres de discriminação. O dever de não discriminação exige uma ação positiva por parte das empresas, que vai além da simples ausência de atos discriminatórios diretos. Abrange, ainda, toda a cadeia global de valor e não apenas a jurisdição do país sede da empresa transnacional.
No Brasil, a CF/88 e a legislação infraconstitucional garantem a igualdade de oportunidades e vedam qualquer forma de discriminação. A título de exemplo, cita-se o art. 5º da CF, que assegura a igualdade de todos perante a lei, sem distinção de qualquer natureza; o Estatuto da Igualdade Racial (lei 12.288/10), que impõe ao Estado e à sociedade o dever de promover a igualdade de oportunidades, sem distinção de etnia ou cor da pele; o Estatuto da Pessoa com Deficiência (lei 13.146/15), que garante a igualdade de oportunidades e veda qualquer espécie de discriminação; e a lei da igualdade salarial (lei 14.611/23), que dispõe especificamente sobre a obrigação de promoção e implementação de programas de diversidade e inclusão no ambiente de trabalho. Todos esses dispositivos impõem obrigações às empresas no âmbito da não discriminação e das políticas de diversidade e inclusão.
O Brasil também é signatário de diversos tratados internacionais de direitos humanos que vedam práticas discriminatórias, a exemplo das Convenções da OIT – Organização Internacional do Trabalho, em especial a Convenção 111, que trata da discriminação em matéria de emprego e ocupação, e a Convenção 100, que trata da igualdade salarial entre homens e mulheres. Dessa forma, o país assume a responsabilidade de garantir e exigir a implementação de políticas de inclusão, equidade e não discriminação nas empresas estabelecidas em seu território.
O dever das empresas de respeitar os direitos humanos e prevenir violações em sua cadeia global de valor é objeto de debate há décadas e atualmente vem se refletindo em legislações de devida diligência em direitos humanos2 e propostas de leis marco em direitos humanos e empresas. O que se busca é pôr fim à “arquitetura da impunidade”,3 que faz com que grandes empresas se valham de estruturas societárias complexas e da terceirização para sonegar direitos e fugir à sua responsabilidade.
No Brasil, tramita na Câmara dos Deputados o PL 575/22,4 que cria a lei marco em direitos humanos e empresas. Trata-se de iniciativa dos movimentos sociais e de organizações da sociedade civil, que busca enfrentar esse problema e criar mecanismos de monitoramento, prevenção, reparação e controle social nas cadeias globais de valor.
No entanto, é importante destacar que a responsabilidade das empresas com relação às políticas de igualdade de oportunidades e não discriminação, no Brasil, embora possam ser reforçadas com a aprovação do PL 572/22, não depende disso para ser implementada, pois o arcabouço jurídico já existente é robusto e suficiente para assegurar o cumprimento dessas obrigações.
Portanto, qualquer mudança nas políticas de diversidade adotadas por grandes corporações internacionais que atuem no território brasileiro pode expô-las a riscos jurídicos consideráveis, incluindo sanções administrativas e ações judiciais movidas por empregados, sindicatos ou entidades de defesa dos direitos humanos.
Além dos riscos legais, empresas que retrocedem em políticas de diversidade enfrentam impactos reputacionais e financeiros significativos. Um estudo da McKinsey (2020) mostrou que empresas com equipes etnicamente diversas têm 36% mais chances de superar a média de lucratividade do setor. Essa diferença vai a 25% com relação à empresas com mais diversidade de gênero.5 Por outro lado, a adoção de posturas regressivas em relação à diversidade pode resultar em boicotes, perda de talentos e dificuldades na retenção de consumidores, evidenciando o impacto financeiro e de imagem.
Diante desse cenário, é fundamental que as empresas reconheçam que a inclusão não é apenas um imperativo moral ou estratégico, mas também uma obrigação legal. A reversão de políticas de diversidade não é uma decisão meramente interna e discricionária das empresas, mas uma ação com implicações jurídicas e sociais significativas. O compromisso com a igualdade e a não discriminação deve ser reafirmado não só em palavras, mas em ações concretas, garantindo-se assim a conformidade com a lei e a promoção de impactos positivos na sociedade.
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1 Ver, por exemplo: DIÁRIO DO CENTRO DO MUNDO. Guinada à direita: McDonald’s anuncia fim das políticas de diversidade na empresa. Diário do Centro do Mundo, [s.l.], 2025. Disponível em: https://www.diariodocentrodomundo.com.br/guinada-a-direita-mcdonalds-anuncia-fim-das-politicas-de-diversidade-na-empresa/. Acesso em: 29 jan. 2025. FOLHA DE S.PAULO. Meta recua em programas para promover diversidade e inclusão na empresa. Folha de S.Paulo, São Paulo, 2025. Disponível em: https://www1.folha.uol.com.br/mercado/2025/01/meta-recua-em-programas-para-promover-diversidade-e-inclusao-na-empresa.shtml. Acesso em: 29 jan. 2025. AGENCE FRANCE-PRESSE. Empresas dos EUA reduzem políticas de diversidade diante do lobby conservador. UOL Notícias, [s.l.], 28 nov. 2024. Disponível em: https://noticias.uol.com.br/ultimas-noticias/afp/2024/11/28/empresas-dos-eua-reduzem-politicas-de-diversidade-diante-do-lobby-conservador.htm. Acesso em: 29 jan. 2025.
2 VASCONCELLOS, Felipe Gomes da Silva. A importância das normas de devida diligência para o direito do trabalho. 2024. Disponível em: https://abrat.adv.br/textos/a-importancia-das-normas-de-devida-diligencia-para-o-direito-do-trabalho.pdf. Acesso em: 29 jan. 2025.
3 ROLAND, Manoela et. all. Desafios e perspectivas para a construção de um instrumento jurídico vinculante em direitos humanos e empresas. Revista Direito GV. São Paulo, v. 14, n.2, pp. 392-417, maio-ago. 2018. Disponível em: .
4 BRASIL. Câmara dos Deputados. Projeto de Lei 572/2022. Cria a lei marco nacional sobre Direitos Humanos e Empresas e estabelece diretrizes para a promoção de políticas públicas no tema. Disponível em:
5 MCKINSEY & COMPANY. Diversity Wins: How Inclusion Matters. 2020. Disponível em: https://www.mckinsey.com/~/media/McKinsey/Featured%20Insights/Diversity%20and%20Inclusion/Diversity%20wins%20How%20inclusion%20matters/Diversity-wins-How-inclusion-matters-vF.pdf.
Felipe Gomes da Silva Vasconcellos
Sócio de LBS Advogadas e Advogados. Professor convidado na Universidade Presbiteriana Mackenzie e na Universidade de San Carlos de Guatemala. Mestre em Direito do Trabalho pela Universidade de São Paulo e em Direitos Humanos pela Universidade de Leiden. Docente membro da Escola da ABRAT.